terça-feira, 1 de maio de 2018

Uma observação sobre os motores Peugeot/Citroën TU3/TUD3 e TU5/TUD5 e conversões "misto quente"

Anteontem mesmo estive aventando essa possibilidade em conversa reservada com o proprietário de uma Citroën Aircross com o motor TU5, e ainda surgiu um comentário cético numa publicação de 2012 em oposição à visão simplista em torno do gás natural, logo me pareceu relevante tratar outra vez sobre o tema dos motores "misto quente" convertidos de gasolina e/ou etanol para Diesel.
Os motores Peugeot/Citroën da série TU, assim como tantos outros de projeto europeu das décadas de '70 e '80 que se mantiveram competitivos até a atualidade, previam o compartilhamento de peças entre versões do ciclo Otto como as que chegaram a ser oferecidas no Brasil só a gasolina ou ainda "flex" e outras do ciclo Diesel que tiveram grande sucesso no exterior. Nesse caso, as versões mais relevantes tanto pelo uso numa grande variedade de modelos quanto pela disponibilidade recente são o TU3 de 1.4L e o TU5 de 1.6L que foram aplicados tanto em modelos populares como o Peugeot 206 quanto em médios como os Peugeot 306 e 307 argentinos e os Citroën Xsara/Picasso e C4. São motores com camisas (de cilindro) secas, e no caso do TU3 o equivalente Diesel TUD3 mantinha as mesmas dimensões de diâmetro e curso dos pistões, permitindo o compartilhamento de peças como bielas e o virabrequim, tendo além do cabeçote outra diferença mais significativa justamente as camisas de cilindro mais reforçadas. Já o TUD5, que tinha a cilindrada reduzida em 60cc comparada ao TU5, passando de 1587 para 1527cc mediante o uso de pistões com 1,5mm a menos no diâmetro (passando de 78,5mm para 77mm), dispensava as camisas ao trazer o corpo dos cilindros incorporado ao bloco de ferro. As galerias de lubrificação e refrigeração são compatíveis tanto com o cabeçote das versões a gasolina ou "flex" quanto nas Diesel, mas naturalmente ao converter o TU5 para TUD5 seria necessário encamisar o bloco para aumentar a espessura das paredes de cilindro em 0,75mm para acomodar os pistões mais estreitos. Apesar de que não seja exatamente impossível utilizar pistões do TU5 nessa adaptação, com o intuito de evitar o encamisamento do bloco, tal opção não é recomendada. Cabe destacar que num motor Diesel o formato da concavidade na cabeça do pistão, além de influir na taxa de compressão tanto quanto o volume interno no cabeçote, tem função essencial para garantir uma propagação adequada da frente de chama.

Naturalmente, até por se tratar de um projeto mais primitivo que remonta a épocas de uma hegemonia da injeção indireta e aspiração natural nas aplicações veiculares leves, o desempenho não chega a ser espetacular. No caso do TUD5, a potência ficava em torno de modestos 57cv, que o tornavam até bom num modelo da faixa de tamanho do Peugeot 206, tolerável num Citroën Xsara, mas em outros modelos mais pesados tudo leva a crer que cause uma sensação semelhante à de dirigir uma Kombi. Por outro lado, a maior aptidão da injeção indireta para recorrer a óleos vegetais como combustível alternativo não deixa de ser convidativa tanto por motivações não apenas econômicas e ecológicas mas também estratégicas diante da possibilidade concreta de reduzir a dependência por combustíveis derivados de petróleo oriundo de zonas conflagradas. Outro aspecto relevante é a relativa facilidade de manutenção e a durabilidade associadas às menores pressões de operação de um sistema de injeção indireta.

Outro aspecto a se considerar é a utilização do motor TUD5 durante diferentes fases de controle de emissões que vigoraram na Europa, inclusive a Euro-3 e uma integração com sistemas de diagnóstico eletrônico de falhas como o OBD-2 e outros recursos como chaves codificadas antifurto de modo a proporcionar uma instalação menos problemática para que algumas funcionalidades originais do veículo que dependam de uma adequada integração entre os sistemas eletrônicos embarcados possam ser preservadas. Logo, por mais que possa não ser a opção "perfeita", no fim das contas uma conversão "misto quente" baseada nos motores TU3 e TU5 também passa longe de figurar entre as piores...

10 comentários:

  1. Dá certo adaptar isso se o carro tiver câmbio automático ou tem que ser só manual?

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Nunca vi nenhuma aplicação original dos motores TUD3 e TUD5 com câmbio automático, e eu particularmente tenho minhas dúvidas quanto à possibilidade de dar certo por ficar com um desempenho bastante limitado.

      Excluir
  2. Como proprietário de uma Fiorino pickup ano 96, com motor 1,5 L (FIASA), sempre me questiono da possibilidade de conversão para ciclo Diesel desse motor, porém aqui na região nenhum mecânico que eu conheço tenha experiência nesse assunto. Qual seria a possibilidade de uma conversão dessas? Gosto muito da minha pickup mas a possibilidade de usar diesel deixaria ela ainda melhor...

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. O motor Fiasa é derivado da série 124 italiana, e as versões Diesel foram feitas justamente no Brasil. No caso, a mais comum dentre as versões Diesel é a 1.3 de 45cv, muito usada na Argentina e no Uruguai. Além do cabeçote e do sistema de injeção (indireta), outra diferença é o uso de pistões com diâmetro 0,1mm maior. Como o Fiasa tem sempre o mesmo diâmetro de pistões (76mm), apesar do curso do 1.5 ser mais longo que o do 1.3 tanto nas versões a gasolina e etanol quanto nessa versão Diesel, a princípio não deve haver nenhum grande empecilho para a adaptação. Mas vale lembrar que documentar é outra história, até porque além de ser um motor particularmente raro no Brasil (até onde eu me lembre chegou a ser usado em embarcações e grupos geradores) haveria uma dificuldade tanto para encontrar algumas peças no Brasil quanto trazer da Argentina ou do Uruguai sem se incomodar na hora de acertar a documentação depois da conversão (caso consiga recorrer a algum expediente para regularizar o veículo).

      Excluir
    2. Com o motor Fiasa eu nunca vi, mas o motor do Tempra eu sei que tem como montar a partir dele o 1.7 que foi usado em quase toda a linha nacional da Fiat e uns 1.9 que é diferente dos JTD usados na Strada e no Stilo.

      Excluir
  3. Tras unos años vi un Citroen C3 convertido así en Bs.As. pero tenia chapas de Bolivia. No me parece de todo razonable que se ensamble un motor más vetusto que el HDi pero es posible que hubiera una razón para hacerlo.

    ResponderExcluir
  4. Mas será que vale a pena gastar para deixar um carro moderno andando devagar igual o fusca que o meu avô tinha?

    ResponderExcluir
  5. É tentadora a hipótese de botar o carro para funcionar a diesel. Mas teria como usar o S500 que vendem em posto de beira de estrada?

    ResponderExcluir

Seja bem-vindo e entre na conversa. Por favor, comente apenas em português, espanhol ou inglês.

Welcome, and get into the talk. Please, comment only either in Portuguese, Spanish or English.


- - LEIA ANTES DE COMENTAR / READ BEFORE COMMENT - -

Nem sempre é viável manter as relações de marcha originais após converter um veículo para Diesel, em função dos regimes de rotação diferenciados. Portanto, uma alteração das relações de diferencial ou até a substituição do câmbio podem ser essenciais para manter um desempenho adequado a todas as condições de uso e a economia de combustível.

It's not always viable to retain the stock gear ratios after converting a vehicle to Diesel power, due to different revving patterns. Therefore, some differential ratio or even an entire transmission swap might eventually be essential to enjoy a suitable performance in all driving conditions and the fuel savings.

Mais informação sobre relações de marcha / more info about gear ratios
http://dzulnutz.blogspot.com/2016/03/relacao-de-marcha-refletindo-sobre.html