sábado, 6 de janeiro de 2018

PL 01-00643/2017: um golpe contra São Paulo e a segurança energética

Em meio a tantos desserviços que a classe política tem prestado ao Brasil como um todo, ainda que num primeiro momento possa parecer restrito à cidade de São Paulo, chama a atenção um projeto em tramitação na câmara de vereadores que visa proibir a circulação de veículos com motor Diesel por lá a partir de 2025. O autor do projeto de lei 01-00643/2017, um petista de nome Antonio Donato, alega ter o objetivo de reduzir emissões de gases nocivos e estar motivado por estimativas de que ocorram cerca de 4.000 mortes por ano em São Paulo relacionadas à poluição atmosférica. No entanto, parece ser só mais uma daquelas típicas "encenações de virtude" tão populares junto à esquerda-caviar, em que premissas falsas passam a servir como pretexto não apenas para cercear liberdades individuais mas também inibir atividades produtivas e dificultar o acesso dos cidadãos a produtos básicos, além de servir como cortina de fumaça para tentar tirar os holofotes que hoje estão apontados para a incompetência e corrupção que sucatearam o setor sucroenergético e fizeram da Petrobras um antro.

A medida, inspirada por projetos semelhantes que vem sendo levados a cabo em países como França, Espanha, Inglaterra e até no México, prevê restrições à circulação de veículos de passageiros ou uso misto, nacionais ou importados, já a partir de 2023, passando a abranger veículos pesados como ônibus e caminhões fabricados antes de 2009 e que não atendam à norma Proconve P6 (equivalente à Euro-4) já a partir de 2025, culminando com a proibição ao tráfego de veículos pesados enquadrados na norma Proconve P7 em 2030. Ironicamente, a transição entre as fases P5 e P6, prevista para 2009, teve a implantação cancelada na época que o Lula insistia em alegar que a crise deflagrada pela "bolha" hipotecária americana em 2008 seria "só uma marolinha", e apressando a implementação da atual norma P7/Euro-5 para 2012. Ou seja, entre grandes frotistas e caminhoneiros autônomos que fizeram o investimento para adquirir um veículo 0km antes de 2012 e eventualmente não tenham a liquidez necessária para se adaptar à proposta, muitos acabariam perdendo o direito de trabalhar com dignidade e atender ao principal mercado consumidor do país, podendo agravar o problema do desemprego e, na pior das hipóteses, causar dificuldades para o abastecimento da cidade tendo em vista a elevada idade média da frota de caminhões circulante no país.

O projeto exclui apenas ônibus integrantes do Sistema Municipal de Transporte Público, veículos licenciados em países estrangeiros com autorização de permanência temporária no Brasil (que são beneficiados pela Convenção de Viena), veículos de missões diplomáticas prestando serviço às embaixadas e aqueles autorizados pela Secretaria Municipal de Transportes mediante justificativa por prazo "devidamente delimitado". Nesse contexto, cabe recordar que durante a gestão da então petista Luíza Erundina na prefeitura de São Paulo chegou a ser estabelecido um cronograma para que a frota de ônibus urbanos aderisse ao gás natural, que no fim se revelou um fracasso e ainda hoje fomenta dúvidas quanto à viabilidade desse combustível (ou mais atualmente do biometano) como alternativa ao óleo diesel convencional no transporte coletivo. Se hoje o desempenho de um ônibus movido a gás natural pode não ficar tão comprometido em comparação a um similar equipado com motor Diesel, é importante considerar também a menor disponibilidade do gás fora de grandes centros e de alguns dos principais eixos rodoviários, dificultando uma extensão da vida útil operacional do veículo em outras aplicações (como por exemplo fretamento) sem comprometer o direito de circular em São Paulo e ainda o menor valor de revenda que os torna menos atraentes para os operadores.

Não se pode ignorar eventuais impactos da proposta no turismo, tendo em vista a maior dificuldade de acesso para ônibus rodoviários intermunicipais e interestaduais, bem como uma eventual saturação da capacidade dos principais aeroportos que atendem à região metropolitana de São Paulo. Logo vem à tona lembranças do "apagão aéreo" de 2006 após a colisão entre um jatinho executivo Embraer Legacy e um Boeing 737 da Gol, e da runway excursion de um Airbus da TAM em Congonhas que pousou em condições meteorológicas adversas com um dos reversos travados e após sair da pista ainda colidiu com um armazém da TAM Express matando passageiros e tripulação do avião além de alguns funcionários que se encontravam no prédio. Além das dificuldades que poderiam ocorrer em função da saturação de slots nos aeroportos Campo de Marte, Congonhas e Cumbica em seguimento a uma eventual migração de passageiros dos ônibus para os aviões e um aumento no fluxo de cargas por via aérea, bem como do uso frequente de veículos com motor Diesel em serviços auxiliares ao transporte aéreo, também não deixa de ser conveniente apontar a ironia que é a maior dificuldade em implementar medidas eficientes para manter sob controle as emissões em motores a reação usados nas principais aeronaves comerciais e executivas modernas, principalmente no tocante aos óxidos de nitrogênio (NOx) que nos últimos anos tem sido pivô de polêmicas quanto à sustentabilidade dos motores Diesel e serviram de pretexto para deflagrar o infame "Dieselgate".

Tendo em vista o alinhamento do partido do autor do PL 01-00643/2017 com as piores ditaduras do subcontinente sul-americano, não deixa de ser relevante estabelecer um paralelo com a proibição à importação de veículos com motor Diesel de cilindrada igual ou inferior a 4.000cc na Bolívia e o fracassado programa AutoGas instituído na Venezuela pelo então ditador Hugo Chávez visando uma diminuição no consumo interno de combustíveis líquidos que pudessem ser destinados à venda em dólar no mercado de exportação para tentar conter o rombo da PDVSA causado tanto pela política de subsídios quanto pelo uso de recursos da estatal em outros programas da ditadura chavista. Se no caso boliviano fica evidente uma dificuldade no acesso de produtores rurais a veículos mais adequados às condições operacionais, a proposta em tramitação tornaria mais difícil que pequenos produtores rurais tivessem acesso fácil a São Paulo sem ficar na mão de intermediários, além de muitos profissionais que usam um veículo equipado com motor Diesel ainda dependerem do mesmo não só para trabalhar mas também eventualmente como o único veículo à disposição do núcleo familiar. Também não é possível deixar de lembrar da rede de corrupção que tomou de assalto a Petrobras, e que vem sendo desvendada desde que a Operação Lava Jato foi deflagrada e já levou figurões como um ex-ministro da Fazenda, o petista Antonio Palocci, para a prisão. Portanto, mesmo que o gás e o etanol possam não ser de todo inadequados a algumas condições operacionais, não faz sentido apontar que (mais) uma restrição meramente arbitrária ao Diesel possa ser realista, tampouco bem-intencionada.

Outro ponto a se destacar contra o PL 01-00643/2017 é que não contempla uma previsão para o uso de viaturas com motor Diesel por parte das forças de segurança e defesa, como a Polícia Militar, o Corpo de Bombeiros, a Marinha, o Exército e a Aeronáutica. Considerando a maior aptidão do ciclo Diesel para algumas condições operacionais severas, bem como uma eventual dificuldade que viria a ser observada tanto em função da menor eficiência quanto de uma eventual redução na capacidade de carga dos veículos militares visando manter o aprovisionamento de combustível necessário para manter a autonomia, não deixa de ser no mínimo suspeito que o projeto vise impor uma restrição tão severa à mobilidade e à prontidão das Forças Armadas e Auxiliares, o que acabaria por prejudicar o atendimento da população paulistana durante emergências. No caso específico de viaturas de combate a incêndios usadas pelo Corpo de Bombeiros, além do desempenho, é fundamental levar em conta a menor volatilidade de combustíveis como o óleo diesel convencional, o biodiesel e até mesmo o querosene em comparação à gasolina e ao etanol, que justificam a adoção de motores Diesel como padrão nas frotas militares operacionais em países-membros da OTAN como é o caso do Brasil.

A única idéia presente no projeto que poderia até ser considerada coerente, uma obrigatoriedade da mistura de 20% de biodiesel (B20) no óleo diesel comercializado em São Paulo já a partir de 2020, é outra que acaba caindo em contradição entre o discurso e a prática no tocante às políticas energéticas. Vale lembrar a empolgação inicial pelo biodiesel por parte do Lula, antes que o petróleo do "pré-sal" ganhasse destaque, além de posteriores acenos aos usineiros enquanto a Dilma disputava a reeleição, muito embora o setor agroenergético tenha sofrido com a concorrência desleal em função da política de congelamento de preços aplicada pela Petrobras com o intuito de mascarar a inflação e facilitar a reeleição da Dilma em 2014, agravando a crise nas usinas sucroalcooleiras e de biodiesel. Portanto, tendo em vista o cronograma apresentado no PL 01-00643/2017 e uma considerável redução na demanda por óleo diesel tanto no município quanto na região metropolitana de São Paulo, não deixa de ser previsível que seja reacendido um temor quanto aos riscos por trás da eventual retomada de alguns investimentos em biodiesel visando atender tão somente às disposições de um projeto que parece estar fadado a se tornar mais um fracasso para a conta do PT.

Em meio a tantas prioridades que estão sendo deixadas para trás pelo Poder Legislativo por meio de conchavos e compadrio para a manutenção de uma versão tupiniquim do perigoso "puntofijismo" que já levou a Venezuela para o fundo do poço, o PL 01-00643/2017 é um golpe não apenas contra São Paulo, mas também contra a segurança energética e com possíveis efeitos devastadores por todo o Brasil. Inviabilizar a livre circulação de passageiros e mercadorias entre São Paulo e o resto do país é uma medida totalmente inadequada em um momento de crise econômica e institucional como se vive atualmente, e portanto deve ser rechaçado. Enfim, resta a esperança que os vereadores paulistanos não aprovem tamanha insensatez, ou que o prefeito João Dória tenha a decência de vetar caso o projeto seja aprovado na câmara municipal. Ou na pior das hipóteses, caso o Judiciário não intervenha a favor do cidadão de bem, a esperança fica depositada naquele discurso proferido pelo nobre general Antonio Hamilton Martins Mourão...

Um comentário:

  1. Dizer que o diesel é sujo deve ser mais fácil que modernizar as refinarias da Petrobras em 13 anos. Na teoria o discurso ecológico é lindo, mas na prática é fantasioso demais.

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Nem sempre é viável manter as relações de marcha originais após converter um veículo para Diesel, em função dos regimes de rotação diferenciados. Portanto, uma alteração das relações de diferencial ou até a substituição do câmbio podem ser essenciais para manter um desempenho adequado a todas as condições de uso e a economia de combustível.

It's not always viable to retain the stock gear ratios after converting a vehicle to Diesel power, due to different revving patterns. Therefore, some differential ratio or even an entire transmission swap might eventually be essential to enjoy a suitable performance in all driving conditions and the fuel savings.

Mais informação sobre relações de marcha / more info about gear ratios
http://dzulnutz.blogspot.com/2016/03/relacao-de-marcha-refletindo-sobre.html