sábado, 20 de janeiro de 2018

Observações sobre o recente investimento da petroleira Saudi Aramco na start-up Achates Power

Não é nenhuma novidade que o motor de combustão interna de um modo geral permanece importante no segmento do transporte rodoviário, bem como eventuais dificuldades numa transição do petróleo para os combustíveis renováveis. Em meio a tantos desencontros entre as expectativas e a realidade, é previsível que alguns grupos empresariais procurem se manter competitivos em médio a longo prazo, e naturalmente as companhias petrolíferas também tentam assegurar uma posição confortável diante das mudanças em curso. No caso da Saudi Aramco, ao qual podem-se lançar olhares mais amplos em torno de reformas em outros âmbitos políticos (afetando inclusive questões de cunho religioso) na Arábia Saudita, até causa alguma surpresa que tenha recentemente feito um aporte de capital para a start-up americana Achates Power, que desde 2004 vem desenvolvendo uma nova geração de motores Diesel de pistões opostos, mas na prática não deixa de ser uma medida confortável com o intuito de assegurar uma presença de mercado mesmo diante das metas de consumo e emissões que ganham força até nos Estados Unidos, onde as pick-ups full-size reinam absolutas.

Mesmo que a manutenção de poder político e econômico pareça ser o principal objetivo dos sheiks do petróleo através da diversificação de investimentos em tecnologia, e eventualmente até inserções no mercado de biocombustíveis não estejam totalmente descartadas, não deixa de ser intrigante que a aposta da empresa que domina a exploração do petróleo logo na Arábia Saudita tenha recaído sobre a Achates Power, a ponto de apresentarem em conjunto um protótipo funcional de um motor de pistões opostos movido a gasolina mas com a ignição por compressão normalmente associada ao Diesel. No tocante à idéia de fomentar uma eventual reserva de mercado, e levando em consideração que os combustíveis gasosos não se adaptam tão facilmente à ignição por compressão, parece ir de encontro às polêmicas em torno do gás de xisto betuminoso cuja extração é vista tanto como um potencial desastre ecológico quanto como uma alternativa para garantir a auto-suficiência energética americana por um prazo relativamente longo mesmo que não haja uma mudança substancial na preferência do mercado automotivo por lá. De fato, o motor de 3 cilindros com 6 pistões e cilindrada de 2.7L dotado de turbo e blower (indispensável nos motores 2-tempos de ignição por compressão) apresentado no Salão de Detroit (NAIAS - North America International Auto Salon) agora em 2018 numa pick-up Ford F-150 modificada parece competitivo diante de um V6 twin-turbo a gasolina com ignição convencional por faísca na mesma faixa de cilindrada atualmente disponibilizado de fábrica na F-150, nem tanto no tocante à potência por volta de 19% menor mas sim pelo torque 20% superior.

A maior ênfase que acabou sendo dada ao motor a gasolina na apresentação no Salão de Detroit pode ter sido até certo ponto decepcionante para quem ainda espera por uma definição mais concreta sobre o futuro dos motores Diesel propostos pela Achates Power, mas não deixa de ser interessante destacar a relativa convergência dos motores a gasolina mais avançados rumo a características que fizeram dos Diesel uma opção acertada no tocante à eficiência energética. Como se não bastassem a massificação do turbo, e mais recentemente da injeção direta, agora até a ignição por compressão encontrou uma perspectiva mais realista para ser aplicada em motores a gasolina, tendo em vista o grande volume de vendas não só da Ford F-150 mas de outros tantos veículos aos quais o motor apresentado pela Achates Power em parceria com a Aramco teria aplicabilidade relativamente fácil em virtude das dimensões compactas e peso contido, além de figurar como uma opção realista para cumprir as metas de redução de consumo CAFE (Corporate Average Fuel Economy) e normas de emissões de poluentes agendadas para 2025 sem comprometer o desempenho esperado pelo público habitual dos mesmos. No entanto, a modularidade do projeto iniciado com ênfase no Diesel ainda permite que uma versão movida a óleo diesel alcance um desempenho semelhante aliado a uma economia de combustível da ordem de 13,5% em volume, que permanece como uma evidência da maior eficiência energética inerente aos motores Diesel tendo em vista que a densidade energética do óleo diesel não é muito mais do que 5,2% superior à da gasolina.

Diante da falta de informações relevantes sobre uma eventual adaptabilidade do motor a gasolina com ignição por compressão desenvolvido pela Achates Power não apenas ao uso dos combustíveis gasosos mas também ao etanol, soa ainda mais óbvia a busca da Arábia Saudita pela manutenção de uma forma relativamente fácil de assegurar a posição confortável no mercado energético tanto nos Estados Unidos quanto em outros mercados mundiais que hoje tem adotado políticas hostis ao Diesel. No entanto, além da eficiência térmica inerentemente superior do ciclo Diesel e a relativa facilidade em promover uma transição para o biodiesel e óleos vegetais brutos como combustível alternativo com a vantagem de fortalecer produtores rurais tradicionais em detrimento dos sheiks do petróleo, cabe destacar o interesse por motores Diesel nos segmentos militar, náutico, agropecuário e inúmeros equipamentos especiais. Enfim, apesar de parecer uma jogada bastante astuta por parte da Aramco, ainda é possível que o feitiço vire contra o feiticeiro, e a superioridade do Diesel prevaleça diante das tentativas em assegurar uma reserva de mercado para a gasolina nos Estados Unidos...

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Nem sempre é viável manter as relações de marcha originais após converter um veículo para Diesel, em função dos regimes de rotação diferenciados. Portanto, uma alteração das relações de diferencial ou até a substituição do câmbio podem ser essenciais para manter um desempenho adequado a todas as condições de uso e a economia de combustível.

It's not always viable to retain the stock gear ratios after converting a vehicle to Diesel power, due to different revving patterns. Therefore, some differential ratio or even an entire transmission swap might eventually be essential to enjoy a suitable performance in all driving conditions and the fuel savings.

Mais informação sobre relações de marcha / more info about gear ratios
http://dzulnutz.blogspot.com/2016/03/relacao-de-marcha-refletindo-sobre.html