terça-feira, 19 de dezembro de 2017

Refletindo sobre os sistemas de tração híbridos incorporados a alguns sport-utilities modernos

Já não é nenhuma novidade que os veículos híbridos tem ganhado espaço nos principais mercados mundiais, chegando até mesmo a avançar em segmentos onde o Diesel ainda prevalece como é o caso dos sport-utilities. Naturalmente, a estratégia dos fabricantes que tem tomado esse rumo leva em conta alguns fatores tão diversos quanto a maior complexidade da atual geração de dispositivos de controle de emissões que se faz necessária para os motores turbodiesel modernos manterem-se em conformidade com as normas ambientais cada vez mais estritas ou até mesmo um crescimento na procura pelo câmbio automático. Eventualmente a escala de produção de um sistema híbrido que possa servir a uma ampla variedade de modelos possa soar convidativa para oferecer tal opção, bem como as médias de consumo mais favoráveis quando comparado a um similar com câmbio automático convencional, mas faz-se necessário questionar quem possa estar sendo o mais beneficiado pela proposta de tratar os híbridos como uma eventual sucessão do Diesel.
Um dos fabricantes que tem apostado mais nos híbridos é a Toyota, que diga-se de passagem teve um grande destaque no desenvolvimento dessa tecnologia pelos últimos 20 anos. Dentre os modelos que em outros países contam com essa opção, cabe mencionar o RAV4 e o similar da divisão de prestígio Lexus, o NX. Ainda que no Brasil ambos contem exclusivamente com motores de 2.0L a gasolina, de aspiração natural e injeção multiponto sequencial para o RAV4 enquanto o NX200t recorre ao turbo e à injeção direta, em países como Inglaterra, Espanha e Portugal o maior esforço está concentrado na oferta de versões híbridas, a ponto de ocorrerem situações que pareceriam absurdas caso houvessem sido anunciadas 10 anos atrás como a indisponibilidade do câmbio automático para as versões não-híbridas do RAV4 na Espanha, ou mesmo que o modelo esteja sendo oferecido em Portugal somente como híbrido. Já no caso da Lexus, nos mercados europeus ocidentais a marca está sendo direcionada para fazer dos sistemas híbridos o principal argumento de vendas em um continente que parece cada vez mais contaminado por um viés anti-Diesel que pode ser percebido pelas restrições à circulação de veículos nas zonas centrais de cidades como Paris e Madrid com base nas certificações de emissões, especialmente de material particulado e óxidos de nitrogênio (NOx) que são o calcanhar-de-Aquiles dos motores do ciclo Diesel, bem como uma desconfiança contra fabricantes de origem européia que surgiu durante o rescaldo do "Dieselgate" à medida que eventuais discrepâncias entre os resultados dos testes de homologação e condições reais de uso vinham à tona também em veículos de marcas sem vínculo com o grupo Volkswagen.
Mas atendo-nos à proposta da Toyota/Lexus, naturalmente o conglomerado japonês aposta alto no que menciona como "escalabilidade" do conceito HSD (Hybrid Sinergy Drive) inicialmente adotado no Prius e que acabou tornando-se referência não apenas para aplicações em demais modelos do grupo mas também para outras indústrias automobilísticas. Basicamente, ao usar tão somente um conjunto de engrenagens planetárias para acoplar o motor de combustão interna a 2 motores elétricos, sem um câmbio propriamente dito, é possível alegar que o processo produtivo dos modelos possa manter-se fácil de implementar mesmo com a adição de uma pesada e volumosa bateria tracionária, módulos de controle dedicados ao sistema híbrido e cablagem de alta tensão. No caso de modelos 4X4, um terceiro motor acoplado diretamente ao diferencial traseiro provê a tração suplementar sem a necessidade de uma tomada de força conectada ao conjunto dianteiro. O acúmulo de funções para os motores elétricos, que também fazem as vezes de motor-de-arranque, gerador e reversor, também pode parecer atrativo no âmbito da facilidade de implementação numa plataforma mais comum, ainda que a bateria de tração ocupe um espaço precioso e a alta tensão requeira mais atenção à segurança tanto durante procedimentos de manutenção quanto na resposta a emergências envolvendo um veículo híbrido.
Por mais que tal estratégia soe atraente tanto para o fabricante devido à relativa facilidade de adequar os processos produtivos quanto para consumidores interessados no conforto do câmbio automático mas sem o impacto prejudicial que esse recurso normalmente acarreta no consumo de combustível, é possível apontar algumas imperfeições. A relação de transmissão fixa acaba sendo mais otimizada para uma condição operacional específica, normalmente percursos com velocidade média reduzida dentro dos perímetros urbanos, e assim não se observa um incremento de proporções semelhantes na eficiência energética em outras situações como o tráfego rodoviário. Também é contra-indicado o uso de reboques em veículos de tração dianteira equipados com o sistema HSD, o que acaba tornando-se desfavorável para aplicações recreacionais que eventualmente envolvam rebocar uma lancha até a praia ou um trailer de camping para alguma área de interesse turístico. Tal situação, evidentemente, é mais fácil de assimilar quando se trate de um carro mais voltado para um público-alvo essencialmente urbano como o Prius ou o Lexus CT200h, mas seria contraditória com as aspirações de liberdade e força normalmente exploradas pelos departamentos de marketing no momento de promover um veículo utilitário.
Embora a insistência em evitar o turbo e a injeção direta na linha de híbridos da Toyota/Lexus possa num primeiro momento ser vista com algum desdém, principalmente diante do avanço do downsizing em modelos com transmissão convencional, é importante frisar que a injeção sequencial no coletor de admissão acaba por proporcionar uma vaporização mais homogênea do combustível, o que contribui para esfriar mais a carga de ar de admissão e portanto mantém a formação de NOx mais sob controle mesmo sem recorrer aos dispositivos de pós-tratamento dos gases de escape que tornaram-se comuns na atual geração de veículos com motor Diesel. Um motor mais barato de produzir também acaba de certa forma contribuindo para que o custo de aquisição do veículo híbrido fique menos desfavorável, e o uso de catalisadores mais simples também é algo a se considerar, mas não convém esquecer que a ignição por faísca apresenta mais limitações no tocante à adaptabilidade a combustíveis alternativos, e no caso dos híbridos tem ocorrido uma certa dificuldade para promover o uso do etanol. Por mais que a Toyota tenha expressado o desejo de aproveitar a introdução do Prius no Brasil justamente com a intenção de abrir caminho para uma eventual versão "flex" cujo desenvolvimento já está em curso, o etanol apresenta uma vaporização menos intensa que a da gasolina a baixas temperaturas, podendo tornar mais áspero o funcionamento do motor de combustão interna, problema que tende a ser menos intenso em motores de injeção direta com taxa de compressão dinâmica mais alta em comparação a similares de injeção convencional no coletor de admissão.

Também é interessante observar alguns sport-utilities híbridos plug-in já comercializados no Brasil, tomando por exemplo o Volvo XC90 T8 Twin Engine AWD e o Porsche Cayenne E-Hybrid. Ambos recorrem a câmbios mais convencionais, sendo um automático propriamente dito no Volvo e um automatizado de dupla embreagem no Porsche, que acabam proporcionando maior adaptabilidade a diferentes condições de carga e de terreno. No entanto, o Volvo XC90 tem o motor elétrico acoplado diretamente ao eixo traseiro, enquanto o motor a gasolina movimenta somente o eixo dianteiro, de forma que um eixo cardan não se faz necessário e assim libera-se mais espaço para uma bancada de baterias com maior capacidade e mais próxima ao centro do veículo para melhor distribuição de peso. Tal configuração faz com que alternador e motor-de-arranque ainda sejam imprescindíveis, situação que poderia ser evitada caso o conversor de torque hidráulico fosse substituído por um único motor elétrico do tipo "pancake", que poderia ser usado tanto em conjunto com o motor elétrico traseiro quanto sem outra assistência elétrica. Já o Porsche tem o motor elétrico acoplado ao câmbio e mantém o volume do conjunto de transmissão mais próximo ao de um não-híbrido, mas a bancada de baterias teve de ser posicionada na traseira no espaço abaixo do compartimento de bagagens onde normalmente seria armazenado um pneu sobressalente.

No tocante à economia de combustível, a possibilidade de carregar as baterias por meio de uma fonte externa de energia elétrica tem servido de pretexto para que sejam anunciadas médias de consumo um tanto irreais para os híbridos plug-in, que podem não se refletir em condições reais de uso, tendo em vista que nem sempre um ponto de recarga vá ser tão facilmente disponível ao estacionar fora da residência do proprietário. Ainda assim, já apresentam um consumo mais contido que os similares a gasolina e até bastante próximo ao das versões com motorização Diesel. Cabe salientar que a atual geração de motores Volvo tem uma concepção modular, com alto grau de compartilhamento de peças entre versões a gasolina e as movidas a óleo diesel, o que de certa forma já leva a crer que nem mesmo a recentemente anunciada intenção da Volvo em produzir exclusivamente modelos híbridos ou puramente elétricos num futuro bastante próximo não significaria uma desistência do Diesel. Já a Porsche, ainda sob o impacto do "Dieselgate", aparentemente está em vias de abrir mão do Diesel e efetivamente tratar os sistemas híbridos como um eventual sucessor. Independentemente de como os híbridos de ignição por faísca e veículos não-híbridos com motor Diesel possam ser comparados no tocante à economia de combustível, é necessário levar em consideração a compatibilidade com alguns combustíveis alternativos.

Se por um lado a estratégia da Toyota em permanecer apostando na injeção multiponto sequencial e aspiração natural para a linha de híbridos pode não ser a melhor opção para quem tenha interesse em usar o etanol, por outro a injeção direta e a indução forçada que se fazem presentes nos híbridos da Volvo e da Porsche oferecem condições mais favoráveis caso os fabricantes eventualmente optem por explorar melhor as características do etanol e diminuir a diferença no consumo para a gasolina, visto que seria possível até mesmo valer-se da presença do turbo (associado a um compressor mecânico no Volvo) para emular uma variação da taxa de compressão. O gás natural ou o biometano também não devem ser desconsiderados de antemão, visto que por já serem admitidos em estado de vapor não há tanta dificuldade com sucessivas partidas frias devido ao funcionamento mais intermitente do motor ao trafegar dentro da cidade. Convém recordar que ao menos uma versão da atual linha de motores modulares da Volvo já é disponibilizada em versão bicombustível movida a gasolina e gás natural.

A bem da verdade, não há maiores impedimentos para integrar motores Diesel e sistemas de tração híbridos, o que viria a assegurar não apenas uma maior liberdade de escolha para os consumidores mas também ampliar as opções de combustíveis alternativos que possam ser usados puros ou mesmo combinados por meio de injeção suplementar sem abrir mão da maior eficiência térmica inerente ao ciclo Diesel. Pressões contrárias ao Diesel por parte dos socialistas europeus tem empurrado uma parte considerável do mercado em direção aos híbridos, ignorando convenientemente os benefícios que o biodiesel pode agregar tanto no âmbito da segurança energética quanto da sustentabilidade ao priorizar matérias-primas de produção regionalizada, sem impedimentos para uma integração com o etanol ou o biometano. Enfim, não há como negar que a maior procura pelo câmbio automático abre caminho para uma maior aceitação dos híbridos, mas tal fato está longe de justificar a crença de que o Diesel tenha se tornado obsoleto.

Um comentário:

  1. Depois de pleitear uma redução de impostos para os híbridos, até me causa estranheza a Toyota não trazer logo de uma vez um Rav4 híbrido e com tração 4X4 ao invés dessa versão depenada que traz atualmente.

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Nem sempre é viável manter as relações de marcha originais após converter um veículo para Diesel, em função dos regimes de rotação diferenciados. Portanto, uma alteração das relações de diferencial ou até a substituição do câmbio podem ser essenciais para manter um desempenho adequado a todas as condições de uso e a economia de combustível.

It's not always viable to retain the stock gear ratios after converting a vehicle to Diesel power, due to different revving patterns. Therefore, some differential ratio or even an entire transmission swap might eventually be essential to enjoy a suitable performance in all driving conditions and the fuel savings.

Mais informação sobre relações de marcha / more info about gear ratios
http://dzulnutz.blogspot.com/2016/03/relacao-de-marcha-refletindo-sobre.html