sábado, 23 de dezembro de 2017

Uma observação sobre o caso (verídico) do ex-cirurgião plástico que fazia biodiesel com gordura humana

Entre amigos, quando algum é mais gordinho, às vezes podem sair menções anedotais em torno do que seria possível fazer com a quantidade de gordura depois de uma lipoaspiração. Há quem diga que as piadinhas e brincadeiras tenham algum fundo de verdade, mas mesmo assim algumas parecem mais próximas de um conto de ficção com contornos macabros. Assim, é previsível que propor o uso de gordura corporal humana soe um tanto perturbador quando ultrapassa as barreiras do humor privado...

Não é nenhuma novidade que o manejo de resíduos hospitalares envolve um elevado risco associado à contaminação por agentes patogênicos, além do uso de material biológico humano para aplicações industriais envolver uma série de aspectos éticos e religiosos, além de eventuais implicações jurídicas. Um caso que ganhou relativa notoriedade no ano de 2008 foi o do ex-cirurgião plástico americano Craig Alan Bittner, que mantinha uma clínica de lipoescultura em Beverly Hills e usava a gordura extraída de pacientes como matéria-prima para biodiesel, prática ilegal na Califórnia. De fato, é importante considerar questões mais subjetivas como o consentimento informado que é um direito do paciente, e também outras de ordem técnica como a eventual retirada de uma quantidade excessiva de gordura corporal, causando desfigurações.

O médico, que também era membro da ONG ecofascista Sierra Club, alegava usar o combustível que batizou "Lipo Diesel" em um sport-utility, e alegava que alguns pacientes optavam por submeter-se à lipoescultura com ele justamente pela proposta de fazer parte de uma "revolução" ecológica tendo em vista a destinação pouco convencional dada à gordura que tinham removida. No entanto, além de ter atraído a atenção do departamento de saúde pública da Califórnia, chegou a ser acusado de extrair uma quantidade excessiva de gordura e delegar à namorada a execução de lipoesculturas mesmo sem ser médica, e ainda foi processado por alguns pacientes que alegavam ter ficado deformados. A clínica foi fechada ainda no final de 2008, com Bittner alegando que iria desenvolver outro trabalho numa missão humanitária na América do Sul. De acordo com o jornal Beverly Hills Courier, teria passado pelo Brasil enquanto estava a caminho da Colômbia.

O uso de material biológico humano em aplicações não-medicinais já é por si só algo polêmico, tanto por aspectos de bioética quanto eventuais interpretações religiosas. Ainda que o caso do ex-cirurgião plástico não envolvesse a comercialização da gordura extraída dos pacientes, é previsível que se faça uma analogia à questão ética envolvendo as "células HeLa" que ainda são muito usadas em pesquisas na área médica e fomentaram as primeiras discussões em torno de aspectos como o consentimento informado e uma eventual remuneração de pacientes ou herdeiros por um uso do material biológico que possa acarretar em lucros e prestígio junto à comunidade científica. No entanto, considerando que a gordura corporal removida em lipoaspirações e lipoesculturas vá ser tratada como apenas mais um lixo hospitalar, algo até bastante problemático sob o ponto de vista ambiental, a destinação como matéria-prima para a elaboração de biodiesel pode não soar tão absurda, ainda que esteja longe de ser a mais economicamente viável.

É natural que ainda persista alguma rejeição pelo uso de partes do corpo humano para fins industriais, mesmo quando não são extraídas de um defunto e portanto não configurem o crime de vilipêndio a cadáver. Há de se levar em consideração também as implicações ecológicas da destinação de resíduos hospitalares, cuja forma mais frequente de descarte ainda é a incineração, apesar de nos últimos anos vir ganhando espaço a esterilização em autoclave com a intenção de neutralizar materiais infectantes e permitir o descarte seguro em aterros sanitários comuns. Enfim, por mais que um uso de gordura humana para fazer biodiesel possa chocar alguns, e mesmo a grande quantidade de procedimentos de lipoaspiração estando longe de garantir um suprimento constante desse material, até não é uma idéia tão absurda quanto possa parecer...

terça-feira, 19 de dezembro de 2017

Refletindo sobre os sistemas de tração híbridos incorporados a alguns sport-utilities modernos

Já não é nenhuma novidade que os veículos híbridos tem ganhado espaço nos principais mercados mundiais, chegando até mesmo a avançar em segmentos onde o Diesel ainda prevalece como é o caso dos sport-utilities. Naturalmente, a estratégia dos fabricantes que tem tomado esse rumo leva em conta alguns fatores tão diversos quanto a maior complexidade da atual geração de dispositivos de controle de emissões que se faz necessária para os motores turbodiesel modernos manterem-se em conformidade com as normas ambientais cada vez mais estritas ou até mesmo um crescimento na procura pelo câmbio automático. Eventualmente a escala de produção de um sistema híbrido que possa servir a uma ampla variedade de modelos possa soar convidativa para oferecer tal opção, bem como as médias de consumo mais favoráveis quando comparado a um similar com câmbio automático convencional, mas faz-se necessário questionar quem possa estar sendo o mais beneficiado pela proposta de tratar os híbridos como uma eventual sucessão do Diesel.
Um dos fabricantes que tem apostado mais nos híbridos é a Toyota, que diga-se de passagem teve um grande destaque no desenvolvimento dessa tecnologia pelos últimos 20 anos. Dentre os modelos que em outros países contam com essa opção, cabe mencionar o RAV4 e o similar da divisão de prestígio Lexus, o NX. Ainda que no Brasil ambos contem exclusivamente com motores de 2.0L a gasolina, de aspiração natural e injeção multiponto sequencial para o RAV4 enquanto o NX200t recorre ao turbo e à injeção direta, em países como Inglaterra, Espanha e Portugal o maior esforço está concentrado na oferta de versões híbridas, a ponto de ocorrerem situações que pareceriam absurdas caso houvessem sido anunciadas 10 anos atrás como a indisponibilidade do câmbio automático para as versões não-híbridas do RAV4 na Espanha, ou mesmo que o modelo esteja sendo oferecido em Portugal somente como híbrido. Já no caso da Lexus, nos mercados europeus ocidentais a marca está sendo direcionada para fazer dos sistemas híbridos o principal argumento de vendas em um continente que parece cada vez mais contaminado por um viés anti-Diesel que pode ser percebido pelas restrições à circulação de veículos nas zonas centrais de cidades como Paris e Madrid com base nas certificações de emissões, especialmente de material particulado e óxidos de nitrogênio (NOx) que são o calcanhar-de-Aquiles dos motores do ciclo Diesel, bem como uma desconfiança contra fabricantes de origem européia que surgiu durante o rescaldo do "Dieselgate" à medida que eventuais discrepâncias entre os resultados dos testes de homologação e condições reais de uso vinham à tona também em veículos de marcas sem vínculo com o grupo Volkswagen.
Mas atendo-nos à proposta da Toyota/Lexus, naturalmente o conglomerado japonês aposta alto no que menciona como "escalabilidade" do conceito HSD (Hybrid Sinergy Drive) inicialmente adotado no Prius e que acabou tornando-se referência não apenas para aplicações em demais modelos do grupo mas também para outras indústrias automobilísticas. Basicamente, ao usar tão somente um conjunto de engrenagens planetárias para acoplar o motor de combustão interna a 2 motores elétricos, sem um câmbio propriamente dito, é possível alegar que o processo produtivo dos modelos possa manter-se fácil de implementar mesmo com a adição de uma pesada e volumosa bateria tracionária, módulos de controle dedicados ao sistema híbrido e cablagem de alta tensão. No caso de modelos 4X4, um terceiro motor acoplado diretamente ao diferencial traseiro provê a tração suplementar sem a necessidade de uma tomada de força conectada ao conjunto dianteiro. O acúmulo de funções para os motores elétricos, que também fazem as vezes de motor-de-arranque, gerador e reversor, também pode parecer atrativo no âmbito da facilidade de implementação numa plataforma mais comum, ainda que a bateria de tração ocupe um espaço precioso e a alta tensão requeira mais atenção à segurança tanto durante procedimentos de manutenção quanto na resposta a emergências envolvendo um veículo híbrido.
Por mais que tal estratégia soe atraente tanto para o fabricante devido à relativa facilidade de adequar os processos produtivos quanto para consumidores interessados no conforto do câmbio automático mas sem o impacto prejudicial que esse recurso normalmente acarreta no consumo de combustível, é possível apontar algumas imperfeições. A relação de transmissão fixa acaba sendo mais otimizada para uma condição operacional específica, normalmente percursos com velocidade média reduzida dentro dos perímetros urbanos, e assim não se observa um incremento de proporções semelhantes na eficiência energética em outras situações como o tráfego rodoviário. Também é contra-indicado o uso de reboques em veículos de tração dianteira equipados com o sistema HSD, o que acaba tornando-se desfavorável para aplicações recreacionais que eventualmente envolvam rebocar uma lancha até a praia ou um trailer de camping para alguma área de interesse turístico. Tal situação, evidentemente, é mais fácil de assimilar quando se trate de um carro mais voltado para um público-alvo essencialmente urbano como o Prius ou o Lexus CT200h, mas seria contraditória com as aspirações de liberdade e força normalmente exploradas pelos departamentos de marketing no momento de promover um veículo utilitário.
Embora a insistência em evitar o turbo e a injeção direta na linha de híbridos da Toyota/Lexus possa num primeiro momento ser vista com algum desdém, principalmente diante do avanço do downsizing em modelos com transmissão convencional, é importante frisar que a injeção sequencial no coletor de admissão acaba por proporcionar uma vaporização mais homogênea do combustível, o que contribui para esfriar mais a carga de ar de admissão e portanto mantém a formação de NOx mais sob controle mesmo sem recorrer aos dispositivos de pós-tratamento dos gases de escape que tornaram-se comuns na atual geração de veículos com motor Diesel. Um motor mais barato de produzir também acaba de certa forma contribuindo para que o custo de aquisição do veículo híbrido fique menos desfavorável, e o uso de catalisadores mais simples também é algo a se considerar, mas não convém esquecer que a ignição por faísca apresenta mais limitações no tocante à adaptabilidade a combustíveis alternativos, e no caso dos híbridos tem ocorrido uma certa dificuldade para promover o uso do etanol. Por mais que a Toyota tenha expressado o desejo de aproveitar a introdução do Prius no Brasil justamente com a intenção de abrir caminho para uma eventual versão "flex" cujo desenvolvimento já está em curso, o etanol apresenta uma vaporização menos intensa que a da gasolina a baixas temperaturas, podendo tornar mais áspero o funcionamento do motor de combustão interna, problema que tende a ser menos intenso em motores de injeção direta com taxa de compressão dinâmica mais alta em comparação a similares de injeção convencional no coletor de admissão.

Também é interessante observar alguns sport-utilities híbridos plug-in já comercializados no Brasil, tomando por exemplo o Volvo XC90 T8 Twin Engine AWD e o Porsche Cayenne E-Hybrid. Ambos recorrem a câmbios mais convencionais, sendo um automático propriamente dito no Volvo e um automatizado de dupla embreagem no Porsche, que acabam proporcionando maior adaptabilidade a diferentes condições de carga e de terreno. No entanto, o Volvo XC90 tem o motor elétrico acoplado diretamente ao eixo traseiro, enquanto o motor a gasolina movimenta somente o eixo dianteiro, de forma que um eixo cardan não se faz necessário e assim libera-se mais espaço para uma bancada de baterias com maior capacidade e mais próxima ao centro do veículo para melhor distribuição de peso. Tal configuração faz com que alternador e motor-de-arranque ainda sejam imprescindíveis, situação que poderia ser evitada caso o conversor de torque hidráulico fosse substituído por um único motor elétrico do tipo "pancake", que poderia ser usado tanto em conjunto com o motor elétrico traseiro quanto sem outra assistência elétrica. Já o Porsche tem o motor elétrico acoplado ao câmbio e mantém o volume do conjunto de transmissão mais próximo ao de um não-híbrido, mas a bancada de baterias teve de ser posicionada na traseira no espaço abaixo do compartimento de bagagens onde normalmente seria armazenado um pneu sobressalente.

No tocante à economia de combustível, a possibilidade de carregar as baterias por meio de uma fonte externa de energia elétrica tem servido de pretexto para que sejam anunciadas médias de consumo um tanto irreais para os híbridos plug-in, que podem não se refletir em condições reais de uso, tendo em vista que nem sempre um ponto de recarga vá ser tão facilmente disponível ao estacionar fora da residência do proprietário. Ainda assim, já apresentam um consumo mais contido que os similares a gasolina e até bastante próximo ao das versões com motorização Diesel. Cabe salientar que a atual geração de motores Volvo tem uma concepção modular, com alto grau de compartilhamento de peças entre versões a gasolina e as movidas a óleo diesel, o que de certa forma já leva a crer que nem mesmo a recentemente anunciada intenção da Volvo em produzir exclusivamente modelos híbridos ou puramente elétricos num futuro bastante próximo não significaria uma desistência do Diesel. Já a Porsche, ainda sob o impacto do "Dieselgate", aparentemente está em vias de abrir mão do Diesel e efetivamente tratar os sistemas híbridos como um eventual sucessor. Independentemente de como os híbridos de ignição por faísca e veículos não-híbridos com motor Diesel possam ser comparados no tocante à economia de combustível, é necessário levar em consideração a compatibilidade com alguns combustíveis alternativos.

Se por um lado a estratégia da Toyota em permanecer apostando na injeção multiponto sequencial e aspiração natural para a linha de híbridos pode não ser a melhor opção para quem tenha interesse em usar o etanol, por outro a injeção direta e a indução forçada que se fazem presentes nos híbridos da Volvo e da Porsche oferecem condições mais favoráveis caso os fabricantes eventualmente optem por explorar melhor as características do etanol e diminuir a diferença no consumo para a gasolina, visto que seria possível até mesmo valer-se da presença do turbo (associado a um compressor mecânico no Volvo) para emular uma variação da taxa de compressão. O gás natural ou o biometano também não devem ser desconsiderados de antemão, visto que por já serem admitidos em estado de vapor não há tanta dificuldade com sucessivas partidas frias devido ao funcionamento mais intermitente do motor ao trafegar dentro da cidade. Convém recordar que ao menos uma versão da atual linha de motores modulares da Volvo já é disponibilizada em versão bicombustível movida a gasolina e gás natural.

A bem da verdade, não há maiores impedimentos para integrar motores Diesel e sistemas de tração híbridos, o que viria a assegurar não apenas uma maior liberdade de escolha para os consumidores mas também ampliar as opções de combustíveis alternativos que possam ser usados puros ou mesmo combinados por meio de injeção suplementar sem abrir mão da maior eficiência térmica inerente ao ciclo Diesel. Pressões contrárias ao Diesel por parte dos socialistas europeus tem empurrado uma parte considerável do mercado em direção aos híbridos, ignorando convenientemente os benefícios que o biodiesel pode agregar tanto no âmbito da segurança energética quanto da sustentabilidade ao priorizar matérias-primas de produção regionalizada, sem impedimentos para uma integração com o etanol ou o biometano. Enfim, não há como negar que a maior procura pelo câmbio automático abre caminho para uma maior aceitação dos híbridos, mas tal fato está longe de justificar a crença de que o Diesel tenha se tornado obsoleto.

sábado, 9 de dezembro de 2017

Uma reflexão sobre o biogás e as deficiências do saneamento básico no Brasil

A pauta de hoje foi levantada em um comentário feito por Eduardo Eberhardt Campos em um post sobre a eventual aplicabilidade do biodiesel para promover uma solubilização entre o etanol e o óleo diesel convencional:

"No Brasil imperam os interesses de politiqueiros pilantras, porque se critérios técnicos fossem considerados até o biogás seria usado. Em um país onde o tratamento do esgoto cloacal é mínimo e a destinação do lixo doméstico em muitos lugares é feita equivocadamente, o uso do biogás como combustível poderia servir como estímulo a investimentos na área de saneamento."


A menção ao biogás foi até bastante pertinente, tanto no tocante à oportunidade de melhorar o serviço de saneamento básico quanto do aproveitamento de uma fonte de energia renovável que não deixa de ser eventualmente mais competitiva que o etanol. Considerando o caso de caminhões auto-vácuo, ou "limpa-fossa" como também são mais conhecidos, a proposta de se usar esgoto como matéria-prima para um biocombustível que possa ser produzido no destino final da carga transportada torna-se mais favorável em âmbito logístico, tanto ao se eliminar o custo e as emissões associadas ao transporte de um combustível produzido em outro local quanto o deslocamento do veículo para reabastecimento. Embora o biogás bruto não seja tão desejável como combustível veicular devido à presença de impurezas como alguns compostos de enxofre, vapor d'água e dióxido de carbono (CO² - o popular "gás carbônico"), purificá-lo para obtenção de biometano mais concentrado a patamares próximos do gás natural veicular comercializado regularmente nos postos de combustível ainda pode apresentar um custo competitivo. A possibilidade de usar sistemas de combustível para gás natural, já bastante difundidos no mercado, não deixa de ser outro ponto a favor do biometano.

Independentemente do biometano ser aplicado em conjunto ao óleo diesel convencional ou usado puro num motor de ignição por faísca, além de eventuais alterações no desempenho do veículo, cabe considerar a aplicabilidade de diferentes métodos de controle de emissões e uma eventual economia que eventualmente proporcionem nos processos de manutenção. O biometano, quando injetado no coletor de admissão, acaba sendo comparável ao de uma carga mais alta da recirculação de gases de escape (EGR - exhaust gas recirculation) em virtude de também reduzir a concentração de oxigênio disponível para o processo de combustão, apesar de ter um efeito diferente. Por ser combustível ao invés de um gás inerte, permite que uma quantidade menor de óleo diesel seja usada para desenvolver o mesmo desempenho, além de intensificar a propagação de chama (flame spread) nas câmaras de combustão e assim contribuir para uma menor formação de material particulado. Vale destacar, ainda, que o gás natural de origem fóssil permanece como a matéria-prima mais comum na síntese da uréia industrial usada para produção do fluido-padrão ARLA-32 (AdBlue/ARNOx-32/DEF) destinada ao controle das emissões de óxidos de nitrogênio em muitos motores turbodiesel veiculares modernos, e portanto o uso do biometano em complemento ao Diesel fica ainda mais justificável.

A complexidade da atual geração de dispositivos de controle de emissões aplicada aos motores Diesel também pode soar convidativa a uma maior participação do biometano aplicado isoladamente em motores de ignição por faísca. Sendo admitido no motor já em estado gasoso e portanto totalmente vaporizado, já faz com que a emissão de material particulado seja basicamente nula, e assim tornaria-se redundante um filtro de material particulado (DPF - Diesel Particulate Filter) e o processo de autolimpeza (também conhecido como "regeneração") desse dispositivo que pode se fazer necessário em alguns momentos inoportunos. A formação de depósitos de sedimentos carbonizados na carcaça da válvula EGR e no coletor de admissão passa a ser outro aspecto menos preocupante para os gestores de manutenção. Devido à maior resistência à pré-ignição do gás natural de origem fóssil e do biometano quando comparados ao etanol e à gasolina, ainda fica viável recorrer à injeção no coletor de admissão mesmo com uma mistura ar/combustível pobre, sem ter de aderir à injeção direta cuja aplicação a motores de ignição por faísca tem feito com que passassem a apresentar índices de emissões de NOx e até material particulado fino em proporções comparáveis às que são tratadas como um calcanhar-de-Aquiles dos motores Diesel...


É natural que, dependendo de quantos reservatórios de gás sejam usados, de qual capacidade e onde forem montados no veículo, acabe ocorrendo um comprometimento não só na carga máxima em peso mas também em volume. Se em utilitários leves tal situação às vezes não é considerada tão incômoda a uma parte considerável do público que viu no gás natural uma opção para conciliar um custo menor do combustível em comparação à gasolina e uma menor propensão a roubos e furtos, além de alguns estados enquadrarem veículos convertidos a gás natural numa alíquota menos abusiva de IPVA, em caminhões e ônibus ainda ocorre um temor quanto à desvalorização mais acentuada que possam sofrer. Também há de se considerar que muitos veículos comerciais, principalmente ônibus, ao terem a vida útil prolongada em aplicações especiais passam a operar em condições muito diferentes das quais foram inicialmente desenvolvidos para atender, e portanto fica muito mais difícil convencer os operadores a abrir mão da maior facilidade de encontrar o óleo diesel convencional, ao menos enquanto não for aproveitado o biogás/biometano como uma alternativa para contornar a disponibilidade limitada do gás natural em algumas regiões.

Não se pode negar que interesses obscuros de alguns elementos de índole duvidosa bastante ativos na política brasileira tem um peso maior que critérios técnicos na tomada de decisões, e naturalmente o biogás/biometano também é subestimado. Um exemplo bastante claro dessa situação foi a vergonha que o Lula fez o Brasil passar quando aceitou passivamente a expropriação sem qualquer tipo de compensação das instalações e equipamentos da Petrobras na Bolívia, tratada pelo ditador Evo Morales como parte de uma "nacionalização" dos hidrocarbonetos naquele paiseco dependente da exportação de cocaína, batedores de carteira e mão de obra escrava para oficinas de costura. Se o Brasil fosse um país sério e que se desse ao respeito, a primeira providência a ser tomada imediatamente após abrir a temporada de caça aos boliguayos seria instituir um programa de substituição do gás natural de origem fóssil importado da Bolívia pelo biogás/biometano, podendo ainda ter a produção integrada a uma ampliação das redes coletoras de esgoto tanto em algumas áreas urbanas onde essa estrutura permanece aquém do necessário quanto em periferias e zonas rurais onde é praticamente inexistente.

Considerando ainda o risco de contaminação dos lençóis freáticos com coliformes fecais e outros resíduos nas chamadas "fossas negras" simplesmente escavadas no solo sem nenhuma forma de impermeabilização, relativamente comuns até em áreas urbanas onde a fiscalização e a burocracia para aprovação de projetos arquitetônicos deveria prevenir tal situação, o aproveitamento do biogás passa a ter mais um bom argumento a favor para a substituição tanto das "fossas negras" irregulares quanto de fossas sépticas por biodigestores. Além de ser um combustível "carbono-neutro", também há de se levar em consideração que o biogás pode atender a aplicações estacionárias no próprio local onde for gerado numa quantidade menor, como por exemplo para uso em fogões e aquecedores de água. Ao substituir combustíveis fósseis como o gás liquefeito de petróleo (GLP - "gás de cozinha"), o biogás já elimina também as emissões que seriam associadas à extração e refino do petróleo e ao transporte até a unidade consumidora. No caso de instalações onde o potencial de geração do biogás seja maior, e portanto a purificação para que se obtenha biometano torne-se economicamente viável, uma integração à rede canalizada atualmente em uso para distribuição de gás natural seria o ideal. E a bem da verdade, considerando as novas possibilidades de negociar créditos de carbono diretamente com distribuidoras de combustíveis fósseis através do recentemente aprovado RenovaBio, é ainda mais justificável investir no biogás/biometano.

O turismo também pode ser beneficiado por uma integração entre saneamento básico e a produção do biogás, e uma situação que merece destaque é a condição imprópria para banho em algumas partes da orla marítima de Florianópolis tanto na ilha quanto no continente. Chega a ser surpreendente que uma cidade anunciada como a "capital turística do Mercosul" não tenha uma única praia de destaque na região central, e a porção continental da orla também seja pouco aproveitada para fins turísticos, e de fato a poluição desencoraja qualquer mergulho numa "praia do cagão" tanto pelo risco de contrair alguma doença quanto pelo mau cheiro. Sob o ponto de vista logístico, a presença de uma estação de tratamento de esgoto no Centro já seria de pressupor que o biogás poderia ser facilmente distribuído para pontos comerciais, residências e hotéis, contribuindo não só para o fechamento do ciclo do carbono mas também para reduzir a quantidade de caminhões para transporte de GLP em circulação.

Além do esgoto cloacal, também deve ser considerado o potencial de outros resíduos orgânicos como matéria-prima para o biogás. Um caso que merece destaque é o da usina de tratamento de biogás do aterro sanitário Dois Arcos, primeira a operar comercialmente com o biometano no Brasil. Embora já estivesse produzindo o combustível alternativo desde 2014, só esse ano recebeu a autorização da ANP (Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis) para comercialização do "gás natural renovável". De certa forma, não se pode desconsiderar que a burocracia e a dependência de autorização da ANP para venda do combustível podem desencorajar um investimento de porte semelhante, o que acaba favorecendo a estagnação do setor de energias renováveis e assim favorece a manutenção do monopólio da Petrobras onde tantos corruptos mamam confortavelmente nas tetas do governo enquanto o cidadão de bem fica refém do efeito das maracutaias sobre os preços da gasolina e do óleo diesel, já considerando o etanol carta fora do baralho na maioria dos estados.

É importante considerar também a importância que o biogás/biometano pode ter para agregar valor a resíduos agropecuários, capilarizar mais o acesso ao gás pelas regiões de interior onde o etanol já não é mais competitivo frente à gasolina, e promover uma destinação mais adequada ao esgoto e ao lixo doméstico que ainda sofrem com desgaste irregular em muitas localidades rurais que ainda contam com acesso deficiente inclusive a serviços essenciais como a coleta de lixo. Um projeto inspirador é o da usina de biometano instalada em Montenegro-RS pelo Consórcio Verde Brasil, formado pela cooperativa agrícola Ecocitrus e a empresa Naturovos, produzindo gás com concentração de 96% de metano, portanto com qualidade similar ao gás natural importado da Bolívia. O biometano gerado em Montenegro já é adquirido pela Companhia de Gás do Estado do Rio Grande do Sul (Sulgás), que também registrou a marca GNVerde. Nesses tempos em que até máquinas agrícolas passam a sofrer um controle mais rígido de emissões, e a disponibilidade do óleo diesel S10 (com 10ppm de enxofre) e do ARLA-32 permanece um empecilho para a renovação de frota no transporte rodoviário alcançar todos os rincões desse país, também não é de se duvidar que o biogás/biometano possa ser mais integrado com o biodiesel e o etanol ou até ser tratado como substitutivo para o óleo diesel convencional por alguns operadores.

Diante da caça às bruxas que se faz em torno do Diesel nos últimos anos, fica cada vez mais evidente que faz mais sentido buscar a integração de uma maior variedade de biocombustíveis ao invés do atual contexto de procurar um bode expiatório. Não se pode negligenciar outras fontes poluidoras, bem como ações que possam tanto mitigá-las quanto contribuir para uma renovação da matriz energética. Enfim, o biogás/biometano pode efetivamente tornar-se um pretexto não só para que se procure diminuir a defasagem na cobertura das redes coletoras de esgoto e na gestão de resíduos sólidos no Brasil, mas ao mesmo tempo diminuir a pressão sobre o óleo diesel convencional como principal combustível para o transporte de carga e passageiros.

segunda-feira, 4 de dezembro de 2017

Clássico atemporal: Unimog

Unimog que estava circulando hoje no começo da tarde pelo centro de Porto Alegre. Esse estava visivelmente modificado, como pode-se perceber pelos parachoques e pelas saídas de escapamento elevadas tipo "stacks" instaladas na carroceria. A cabine dupla chegou a ser oferecida como opção de fábrica. No tocante ao motor, provavelmente estava equipado com o bom e velho OM-352, com turbo instalado posteriormente (o recorte no capô acomoda uma parte da tubulação associada ao turbo).