sexta-feira, 24 de novembro de 2017

Borra de café, mais uma possível matéria-prima para biodiesel prestes a atingir a viabilidade comercial

Que o biodiesel pode se tornar uma alternativa para agregar valor a uma ampla variedade de resíduos do processamento de gêneros alimentícios já não é nenhuma novidade, mas às vezes surpreende que alguns rejeitos tão presentes no cotidiano da maioria da população também possam ser aproveitados como matéria-prima para um combustível veicular. Entre tais itens tão comuns se encontra a borra de café, cujo teor de oleosidade pode parecer desprezível em pequenas quantidades, mas não deixa de ser uma opção ao considerarmos tanto a grande quantidade de café consumida diariamente quanto o uso em misturas com o biodiesel produzido a partir de outros óleos e gorduras. A viabilidade já foi dada como certa até pela gigante petrolífera Shell, que está conduzindo testes na frota de ônibus de Londres em parceria com a startup britânica bio-bean e a distribuidora de combustíveis Argent Energy.

Por mais que venha a ter um caráter mais complementar que substitutivo, o uso da borra de café para a produção de biodiesel tem um bom potencial também no Brasil, país que consome 140 bilhões de xícaras de café anualmente, de acordo com o empresário Arthur Kay, fundador da bio-bean. Também é conveniente recordar que a parte sólida da borra de café desidratada ainda serve para a fabricação de combustíveis sólidos, como os Coffee Logs ("toras de café" numa tradução literal) já oferecidos pela bio-bean para uso em substituição à lenha, ou pellets que podem servir para o uso em caldeiras industriais em substituição a óleos combustíveis pesados ou a combustíveis gasosos de origem fóssil. Em meio a tantas discussões em torno de uma eventual expansão das atuais fronteiras agrícolas para atender a um previsível aumento na demanda por biocombustíveis, não só para aplicações veiculares mas também estacionárias tanto em âmbito doméstico quanto comercial ou industrial, pode-se dizer que o biodiesel de borra de café é promissor por estar integrado num contexto até mais amplo.

Diante da necessidade de uma renovação da matriz energética do transporte que não só possa atender de forma mais imediata aos operadores sem requerer uma alteração muito drástica na infra-estrutura nem nos procedimentos de manutenção das frotas, não convém desprezar nem mesmo aquele simples pó de café que antes podia parecer útil só para afastar formigas e outras pragas de uma hortinha no quintal. Ainda que não resolvam totalmente o problema, essas pequenas alternativas não deixam de ser úteis ao reduzir a pressão sobre cultivares mais tradicionais no âmbito da agroenergia como é o caso da soja e da cana de açúcar no Brasil, e portanto minimizando eventuais desconfianças quanto à viabilidade dos biocombustíveis. Enfim, considerando não apenas o elevado consumo de café tanto a nível nacional quanto mundial, o uso da borra como matéria-prima para biodiesel é uma daquelas idéias simples e ao mesmo tempo geniais que não devem ser desprezadas.

quarta-feira, 22 de novembro de 2017

Ônibus urbanos: faz sentido cogitar uma maior presença de híbridos nas próximas renovações de frota

Não é possível subestimar a importância do transporte coletivo na promoção da mobilidade urbana, e o Diesel firmou-se nessa aplicação motivado pela escalabilidade para atender a diversas condições de carga e pela relação custo/benefício que ainda apresenta na flexibilização de rotas quando comparado a alternativas como o gás natural, o etanol, ou mais recentemente a tração 100% elétrica. No entanto, diante do recrudescimento das normas de emissões e eventuais incertezas quanto à viabilidade futura não apenas do Diesel mas do motor de combustão interna nas aplicações veiculares em geral, ainda é importante considerar algumas opções que possam assegurar uma menor dependência das frotas de ônibus urbanos por um suprimento de óleo diesel convencional também impactado pela demanda em outras aplicações utilitárias. Eventualmente, um uso mais otimizado dos recursos energéticos ainda pode justificar mais facilmente o fim das restrições ao Diesel em veículos leves.
No caso dos ônibus elétricos, que numa primeira observação podem soar como uma alternativa fácil de implementar, ainda existe uma série de empecilhos que pode levar tal proposta a se revelar uma ilusão. O sucateamento da rede elétrica nacional, que ocasionou a infame "crise do apagão" no final de 2001 e começo de 2002, torna assustadora a perspectiva de condicionar a mobilidade urbana a um sistema ainda frágil e suscetível a danos que continuam demorando além do que seria razoável para ter uma solução. Como se trata de um serviço essencial, tanto por parte considerável dos passageiros efetivamente depender desse transporte para executar atividades diárias quanto por efetivamente levar a uma redução no tráfego de veículos em algumas áreas mais congestionadas e de difícil circulação nas regiões centrais, seria temerário comprometer o funcionamento do mesmo por razões que podem ser tão banais quanto uma chuva com ventania que derrube árvores e danifique fiações a exemplo do que já ocorreu algumas vezes em Porto Alegre, problema agravado pela omissão de comunistas que se valiam da falsa premissa da preservação ambiental para impedir a poda de árvores e a lentidão da operadora local da rede elétrica (CEEE) no atendimento a emergências. Pois bem, na "menos pior" das hipóteses, ainda acabaria se fazendo imprescindível ter um plano B que continuaria dependente do Diesel como recorrendo a grupos geradores.

Incertezas quanto à aptidão dos ônibus elétricos para atender às necessidades de operadores, e ainda a extensão do impacto sobre os usuários do serviço, tem levado os ônibus híbridos a ser vistos como uma opção tecnicamente viável. Apesar da presença de um sistema elétrico de alta tensão e alguns componentes específicos que estão ausentes nos veículos com uma configuração de transmissão mais convencional, refletindo-se em alterações na rotina de manutenção e requerendo alguma qualificação adicional por parte dos mecânicos para que possam executar alguns procedimentos com a necessária segurança, são mais fáceis de agregar a uma frota majoritariamente composta por modelos com uma concepção mecânica tradicional. Levando em conta a maior presença do câmbio automático nas frotas de ônibus urbano, principalmente agora com a implementação de sistemas BRT nas capitais e outros centros regionais, o momento seria propício a uma inserção efetiva dos ônibus híbridos, e valer-se da operação basicamente idêntica à de um não-híbrido com câmbio automático para facilitar a familiarização dos condutores com o veículo.
Também cabe salientar que a hibridização não acarreta necessariamente em uma incompatibilidade ao uso de biocombustíveis, e portanto pode ser articulada junto a outras estratégias visando impulsionar a renovação da matriz energética do transporte tanto em âmbito nacional quanto regional. A bem da verdade, considerando os questionamentos em torno de uma eventual concorrência com o cultivo de gêneros alimentícios e alguns temores quanto ao risco de quebras de safra e outras circunstâncias que possam acarretar num desabastecimento, de certa forma relembrando a crise do etanol ocorrida no Brasil durante a safra '89-'90 da cana de açúcar e estendendo-se durante a primeira metade da década de '90 quando chegou-se a importar metanol para tentar suprir a demanda pelo etanol carburante, a redução de consumo que se espera dos híbridos torna-se decisiva para reabilitar os combustíveis alternativos junto à opinião pública e aos gestores de frota. Assim, o mesmo biodiesel que já estaria adequado para uma implementação mais imediata tanto em função da adaptabilidade dos motores Diesel quanto da atual infra-estrutura para distribuição de combustíveis e reabastecimento dos veículos tende a manter-se viável de médio a longo prazo.
Dadas justamente as condições operacionais no transporte coletivo urbano e intermunicipal, com paradas e arranques frequentes, já poderia soar até mais convidativa a uma maior presença de ônibus urbanos híbridos nas principais cidades brasileiras. Ainda que o custo inicial seja mais elevado que o de um ônibus mais convencional, principalmente quando consideramos o quanto os chassis de motor dianteiro permanecem populares no mercado nacional e em exportações regionais, e que a oferta de sistemas híbridos para veículos pesados permanece mais concentrada para ônibus de motor traseiro e caminhões, não deixa de ser uma opção até bastante adequada diante da relativa lentidão com que se promove a renovação de frota. Na ponta do lápis, a economia de combustível proporcionada não só pelo desligamento do motor durante as paradas e o auxílio elétrico nas arrancadas, mas também pelo acionamento elétrico de acessórios como ar condicionado e direção hidráulica e a recuperação de energia através da "frenagem regenerativa", já seria um pretexto suficiente para proporcionar uma amortização do investimento em comparação com um ônibus de motor dianteiro e concepção mais tradicional.
É até natural que ocorra um interesse dos frotistas em permanecer presos a um layout mecânico mais rústica, até mesmo para aproveitar escala de produção e intercambialidade de peças com caminhões, e o menor preço certamente pesa a favor também diante do risco de ter um veículo vandalizado nessa terra sem lei que o Brasil tem se tornado. A incompetência do poder público, que não só se omite em meio à falta de segurança mas também frente ao desafio de incentivar melhorias à eficiência energética e fomentar o uso de combustíveis renováveis, custa cada vez mais caro. Enfim, por mais que o transporte coletivo exerça uma pressão sobre a demanda de óleo diesel convencional no Brasil, e os ônibus híbridos podem contribuir para derrubar ao menos em parte este que é um dos principais argumentos a favor das atuais restrições ao uso de motores Diesel em veículos leves.

sexta-feira, 17 de novembro de 2017

Breves observações sobre o biodiesel e a solubilização do etanol ao óleo diesel convencional

Já não é novidade que o Brasil reúne condições muito propícias para implementar uma substituição mais ampla dos combustíveis fósseis pelos renováveis. A experiência com o etanol nos motores com ignição por faísca, que já encontrava apoio em algumas regiões com tradição canavieira antes mesmo que fosse esboçado o ProÁlcool, é o exemplo mais divulgado a nível mundial, enquanto a opção pelo biogás/biometano igualmente adaptável não apenas em aplicações estacionárias e industriais no lugar do gás natural de origem fóssil e do gás liquefeito de petróleo (GLP - "gás de cozinha") mas também ao uso em veículos leves como alternativa à gasolina passou a ser levada em consideração só mais recentemente. Outra fonte de energia que vem sendo subestimada de uma forma até surpreendente em se tratando de um país tão dependente do modal rodoviário para o transporte comercial e portanto do óleo diesel convencional, bem como a peculiaridade da região amazônica onde a navegação se revela essencial para atender às populações ribeirinhas, é o biodiesel. Diante da possibilidade de promover uma integração mais efetiva entre soluções tão diversificadas para atender à demanda do transporte comercial e até promover uma maior integração regional, realçada pela solubilização entre o óleo diesel convencional e o etanol a ser proporcionada pelo biodiesel, soa ainda mais absurdo que esse combustível permaneça sendo tratado com descaso pelo poder público.

Mesmo com o biodiesel já incluindo algum álcool na formulação, tanto o metanol que é habitual no exterior quanto o etanol bastante adequado à realidade brasileira, e não seja de todo inviável fomentar uma implementação mais imediata, pode ser útil explorar em escala comercial a maior solubilidade que o biodiesel proporciona entre etanol e óleo diesel convencional, ao menos num estágio inicial da renovação da matriz energética do transporte. Tendo em vista que o setor sucroalcooleiro se encontra mais consolidado no mercado brasileiro de combustíveis, enquanto o biodiesel ainda necessita algum fomento para atingir uma escala de produção mais efetiva no atendimento às necessidades dos atuais usuários do óleo diesel convencional, é importante aproveitar a oportunidade para integrar diferentes combustíveis. Dentre os benefícios, além de uma redução e neutralização de emissões, cabe destacar a possibilidade de fortalecer a segurança energética em virtude da variedade de matérias-primas que venham a oferecer uma menor dependência pela cana de açúcar no caso do etanol ou da soja quando se trata do biodiesel. Outro ponto que se revela importante num âmbito estratégico é a preservação de divisas no país ao invés de comprometê-las com países exportadores de petróleo, que não costumam ser lá grandes exemplos de democracia e respeito às liberdades individuais ou aos valores judaico-cristãos ainda tão caros à esmagadora maioria da população brasileira. Portanto, além de conciliar a economia com a tão falada sustentabilidade, explorar mais essa vantagem do biodiesel pode favorecer até mesmo a segurança nacional e o bem-estar dos cidadãos brasileiros.

Em meio a temores relacionados a uma suposta necessidade de expandir as atuais fronteiras agrícolas para manter uma escala de produção que assegure a viabilidade econômica do biodiesel e do etanol, é fundamental ressaltar alguns resíduos do beneficiamento de cultivares tradicionais que apresentam as melhores condições para que venham a servir de matérias-primas, com destaque para o baixo valor de mercado e a menor concorrência com a produção de gêneros alimentícios. Um dos exemplos que se revelam mais adequados a essa circunstância é a borra do refino do óleo de caroço de algodão, que chegou a ser testado já na década de '80 pela Cocamar na região de Maringá e chegou a apresentar até mesmo uma redução de consumo em comparação ao óleo diesel convencional em alguns caminhões das marcas Mercedes-Benz e Scania que serviram de parâmetro para o teste, além de uma previsível redução nas emissões de material particulado e uma melhoria na lubrificação do sistema de injeção. De um modo geral, a agroindústria brasileira já vem demonstrando ter condições para desenvolver uma variedade de alternativas a um custo bastante competitivo para suprir ao menos grande parte da demanda nacional por combustíveis veiculares, domésticos, bem como outras aplicações tão variadas quanto grupos geradores, máquinas agrícolas integradas à própria cadeia produtiva e os mais diversos equipamentos estacionários/industriais. Até mesmo a hegemonia da cana como matéria-prima para o etanol, que parecia incontestável diante do rendimento superior em litros/hectare comparada ao milho predominante na produção desse combustível nos Estados Unidos ou à beterraba açucareira usada na Europa, já vem sendo articulada a nível nacional com o milho durante a entressafra da cana e até com o melaço de soja restante da produção de proteína concentrada de soja, contribuindo assim para uma maior estabilidade dos preços ao longo do ano sem depender tanto dos "estoques reguladores" que tem se revelado uma medida inócua para manter o preço do etanol competitivo com a gasolina ao longo do ano na maioria das unidades da federação.

Diante do recrudescimento das normas de emissões, cujas gerações mais recentes de motores Diesel vem sendo forçadas a acompanhar não apenas em aplicações automotivas mas também agrícolas, estacionárias/industriais e náuticas, algumas dificuldades associadas ao biodiesel e interferências no funcionamento de dispositivos como o filtro de material particulado (DPF - Diesel Particulate Filter), há de se considerar eventuais vantagens na mistura com etanol que não pode ser feita de forma segura sem recorrer a algum aditivo capaz de promover a emulsão no óleo diesel convencional. Nesse caso, a maior volatilidade do etanol pode até contrabalançar as dificuldades que concentrações mais altas de biodiesel tem apresentado para vaporizar durante o processo de autolimpeza (ou "regeneração") do filtro. A redução na geração de material particulado em função da mistura com etanol também deve ser levada em consideração, visto requerer uma menor frequência de ciclos de autolimpeza do filtro, e uma menor obstrução nesse dispositivo acaba sendo benéfica a uma redução de consumo que possa eventualmente até compensar uma menor densidade energética inerente ao etanol dependendo da proporção de mistura entre óleo diesel convencional, biodiesel e etanol. As emissões de óxidos de nitrogênio (NOx), outro calcanhar-de-Aquiles do ciclo Diesel, também tendem a manter-se em valores mais modestos com o etanol, podendo reduzir o consumo do ARLA-32/ARNOx-32/AdBlue no caso de motores dotados do sistema SCR. Já nos equipados com o sistema EGR para recirculação de uma parte dos gases de escape, a menor fuligem também se reflete em um menor acúmulo de sedimentos carbonizados que possam entupir o coletor de admissão ou mesmo se acumular em sedes de válvula quando combinados com vapores oleosos provenientes da ventilação do cárter.

O desafio de conciliar metas de redução de emissões à necessidade de manter o custo operacional sob controle tem às vezes dado mais visibilidade a alternativas tecnicamente mais complexas e de difícil implementação, que nem sempre tem uma aceitação tão ampla junto a pequenos operadores e ainda diminuem o valor de revenda dos veículos quando chega o momento da renovação de frota. Nesse contexto, a solubilidade do biodiesel tanto com o etanol quanto com o óleo diesel convencional acaba sendo importante não só como uma alternativa para agilizar a transição para fontes de energia limpas e renováveis mas, principalmente, por oferecer uma aplicabilidade até mais imediata que outras mais sofisticadas e inacessíveis à grande maioria dos operadores brasileiros do transporte comercial, bem como proporcionar uma maior segurança energética. Enfim, diante das especificidades do mercado brasileiro que vão desde a precária qualidade do óleo diesel convencional disponível em algumas regiões mais interioranas até o atual cenário de subaproveitamento dos recursos agroenergéticos, valer-se da integração com o já consolidado etanol pode ser a oportunidade que faltava para recuperar a competitividade do biodiesel e promover uma redução de emissões sem abrir mão das vantagens dos motores Diesel no tocante à eficiência geral.

quinta-feira, 16 de novembro de 2017

Breve reflexão: como a "diplomacia do etanol" evidencia uma viabilidade futura dos motores de combustão interna?

Uma grande expectativa venha sendo depositada na tração elétrica como uma solução para atender aos dilemas da mobilidade urbana, levando alguns países a estabelecer metas para eliminar a produção, comercialização e até mesmo a circulação de veículos com motor de combustão interna. Nesse cenário, uma retomada da "diplomacia do etanol" paralelamente à Conferência do Clima que segue em andamento até essa sexta-feira (17) em Bonn, antiga capital da República Federal Alemã antes da queda do Muro de Berlim, poderia parecer mera teimosia e comodismo digno de uma republiqueta agropastoril do terceiro mundo. Entretanto, uma observação mais atenta diante das dificuldades técnicas que ainda dificultam a eletrificação maciça do mercado automobilístico revela que ainda há algum fundamento para que se deposite esperança nos biocombustíveis, não apenas no etanol.

A bem da verdade, mesmo com uma ampliação na geração de energia elétrica pelas fontes eólica, fotovoltaica e da variação das marés em substituição ao carvão mineral e às centrais termonucleares, principalmente na Europa, não é possível ignorar algumas peculiaridades que podem fazer com que um plano tão ambicioso transforme-se num pesadelo sob o ponto de vista operacional. Não chega a ser incomum que algumas residências mais antigas nas grandes metrópoles européias não tenham nem sequer uma garagem própria, o que pode dificultar o acesso a pontos de recarga das baterias, e mesmo em conjuntos de edifícios com uma área de estacionamento própria é mais corriqueiro que as áreas para estacionamento sejam abertas e sem provisão de eletricidade. Seria muito fácil um típico ecologista-melancia adepto do uso recreacional de maconha querer defecar regras do alto de um iPhone e sugerir que os moradores de locais sem acesso fácil a um ponto de recarga fossem forçados a usar bicicletas ou triciclos a pedal, ou com auxílio elétrico que pudessem ser levados para dentro de um apartamento, mas não faz sentido promover tal violação da liberdade de escolha apenas para agradar esquerdistas.

No caso do Brasil, certamente não se deve ignorar uma desconfiança quanto à capacidade do sistema elétrico nacional suportar um crescimento na demanda que uma eletrificação maciça da frota nacional poderia trazer, tendo em vista questões como o sucateamento da infra-estrutura de distribuição e a memória do racionamento de energia implementado durante a "crise do apagão" de 2001, além das infames "bandeiras tarifárias" que elevam o custo da energia quando ocorre a necessidade de acionar as termelétricas a gás, óleo combustível pesado e carvão mineral. Se até a agricultura tem sofrido com as "bandeiras tarifárias", levando por exemplo agricultores baianos a não cultivar a safra de feijão após a colheita do algodão por conta do custo de operar os pivôs de irrigação, já fica difícil crer que os veículos elétricos sejam adequados à grande maioria da população brasileira. Assim, faz muito mais sentido considerar alternativas como o etanol e o biogás/biometano, tendo em vista o exemplo da cogeração em que a queima do bagaço da cana nas usinas sucroalcooleiras não só supre a demanda pela eletricidade nas próprias instalações mas também supre a rede elétrica com o excedente. No caso do biogás/biometano, que pode ser gerado a partir de qualquer resíduo agropecuário ou florestal, lixo orgânico comum e esgoto, o aproveitamento de materiais cujo valor comercial seria nulo já soa como um excelente atrativo, mas na prática também é relevante a contribuição para neutralização de emissões de hidrocarbonetos crus (principalmente metano, que diga-se de passagem é o principal componente do gás natural) e fechamento do ciclo de carbono. Somando-se ao biodiesel e a um eventual uso direto de óleos vegetais como combustível veicular, agrícola ou em aplicações estacionárias como grupos geradores, não faltam opções mais adequadas à realidade brasileira.

No meio desse fogo cruzado entre proponentes de uma eletrificação total e adeptos de uma estratégia mais gradual para promover a redução no consumo de combustíveis, os sistemas híbridos passaram a ocupar posição de destaque. Por mais que em algumas situações sejam apontados como um eventual substitutivo para os motores Diesel, e de fato já venha ocorrendo até mesmo na Europa em veículos leves, tal proposta vem se mostrando infundada em aplicações mais pesadas como ônibus urbanos que integram as duas estratégias para manter consumo e emissões de acordo com os níveis cada vez mais modestos que vem sendo exigidos. Passando para os veículos leves, como o Toyota Prius e o "elétrico de autonomia estendida" BMW i3, a "diplomacia do etanol" parece até mais acertada em virtude de ditos modelos recorrerem à ignição por faísca. Naturalmente, seria necessário levar em conta algumas características do etanol como a vaporização mais difícil a baixas temperaturas e como pode afetar as partidas a frio mais frequentes diante da operação intermitente do motor de combustão interna quando um híbrido é submetido à operação em meio ao tráfego urbano pesado. No entanto, recentes apostas da Toyota no etanol como uma solução para o futuro da mobilidade, bem como o alto desempenho de vendas não apenas no Japão e a liderança na maior quantidade de mercados a nível mundial (mesmo que alguns tenham volumes pouco significativos de venda de veículos novos e um predomínio de utilitários com motores Diesel de concepção mais antiga), levam a crer que uma retomada da "diplomacia do etanol" chegou num momento oportuno.

Por mais que alguns grupos políticos tenham o objetivo de demonizar o motor a combustão interna de um modo geral, não apenas o ciclo Diesel como tem ocorrido frequentemente após a eclosão do infame "Dieselgate" e outras controvérsias em torno de índices de emissões, é importante assegurar o espaço dos biocombustíveis na pauta de discussões. Assim, a "diplomacia do etanol" não deixa de prestar um relevante serviço não apenas ao setor ruralista brasileiro mas também a tantos cidadãos mundo afora que não vivem num mundinho de contos de fadas "ecologicamente-corretos" de acordo com a cartilha da esquerda-caviar. Enfim, considerando a adaptabilidade aparentemente mais fácil da infra-estrutura de distribuição e abastecimento já consolidada para atender à demanda atual por derivados de petróleo, pode-se constatar que o etanol e outros biocombustíveis são bons subsídios para reiterar a viabilidade futura do motor a combustão interna.

terça-feira, 14 de novembro de 2017

Até que ponto um jipão raiz seria tão incompatível com o uso urbano?

OK, pode inicialmente parecer contraditório ressaltar qualidades do Jeep Willys em condiçoes de uso urbanas, principalmente tendo em vista que pela tração 4X4 com caixa de transferência de dupla velocidade (a popular "reduzida") acaba não sendo afetado pelas absurdas restrições ao uso do Diesel que atingem os carros mais comuns. O próprio sistema de tração nas 4 rodas tem a desvantagem do peso e de certa forma ainda dificulta um melhor aproveitamento de espaço interno, comprometendo a eficiência geral do veículo quando usado de forma mais frequente em ruas e estradas pavimentadas. Apesar desse aspecto, para quem não se disponha a abrir mão do direito de usar um motor Diesel, não deixa de ser uma alternativa a se considerar...
Considerando o aspecto prático, modelos como o M38 e o equivalente civil CJ-3A são mais curtos e estreitos que um Volkswagen Up, e ainda contam com uma distância entre-eixos menor. Assim, não seriam de todo inadequados ao desafio de encontrar locais para estacionar em locais com tráfego mais denso, além da relativa facilidade para manobrar em espaços confinados. Naturalmente, seria de se esperar que um jipeiro prefira se lançar ao campo em detrimento de se espremer em uma vaga de estacionamento dum prédio de escritórios ou do shopping mais próximo, mas nesse sentido o Jeep de certa forma honra a designação de "veículo de transporte não-especializado", sem deixar para trás a aptidão para enfrentar condições de uso mais severas para as quais a atual geração de compactos com projeto de origem européia ou asiática passam longe de serem otimizados, por mais "tropicalizados" que estejam.
Sem dúvida, chega a ser desproporcional e até mesmo quase incabível comparar um subcompacto atual com um "pau véio" da época da Guerra da Coréia (o Jeep usado na 2ª Guerra foi o Willys MB), além do mais que uma plataforma mais moderna tende a se revelar mais apta a proporcionar uma eficiência energética superior tão apreciada na atualidade. Infelizmente, esse acaba constituindo só mais um entre tantos exemplos do quanto a estupidez burocrática por trás da proibição ao uso do Diesel em veículos 4X2 com capacidade de carga inferior a 1000kg e acomodação para menos de 9 passageiros além do motorista se revela contraproducente. Caso algum brasileiro cismasse em tentar montar do zero por conta própria um veículo de aparência semelhante ao Jeep e instalar um motor Diesel, prática que até pouco tempo atrás ainda se mantinha relativamente comum nas Filipinas, ficaria impossibilitado de dar um passo adiante e experimentar uma configuração diferente de transmissão, ou até mesmo radicalizar e tentar montar o motor em posição transversal como na maioria dos carros modernos...

A bem da verdade, uma das grandes vantagens do Jeep é a facilidade para adaptações e atualizações mecânicas. Além da troca dos motores Go-Devil ("flathead" com válvulas laterais) e Hurricane (com cabeçote em F - válvulas de admissão no cabeçote e de escape no bloco) por outros mais modernos, o que às vezes contempla justamente algum motor Diesel, são comuns também substituições de câmbio e upgrades nos freios, e a instalação de direção hidráulica. Mais difícil seria encontrar um Jeep com ar condicionado, principalmente tendo em vista que a quase-totalidade mantém a carroceria aberta e recorre só a um simples toldo ou uma capota conversível de lona, embora não seja impossível de se fazer a adaptação. Mas convenhamos, num veículo que viesse a ter um uso mais frequente e ficando sujeito a ser estacionado na rua, seria preferível contar com uma capota rígida em virtude da menor propensão a vandalismos. Infelizmente o nosso país está cada vez mais virado numa terra sem lei onde o respeito à propriedade privada fica em segundo plano diante dos "direitos humanos" para bandidos...

Por mais que pareça difícil incorporar muitas das conveniências modernas em um veículo de origens tão antigas, e a aparência moralizadora proporcione uma size-impression que acaba por não condizer tão fielmente com a realidade, pode-se considerar uma grave injustiça reputar o Jeep como totalmente obsoleto nesse mundo de cowboys de apartamento. Mesmo que render-se aos encantos de um jipão raiz possa soar como um convite para renunciar à defesa da liberação do Diesel em veículos leves, na verdade ao observarmos o quanto um Willys ainda se mostra compatível com algumas condições operacionais encontradas nas grandes cidades e traçarmos um paralelo com o modismo dos "crossovers" e de versões de carros comuns caracterizadas como off-road, na verdade apenas ficam mais evidentes algumas distorções advindas da proibição ao uso do Diesel em veículos leves com base nas capacidades de carga e passageiros ou tração. Guardadas as devidas proporções históricas, tendo em vista que na época do Jeep Willys era mais comum que as condições das vias requeressem efetivamente esse auxílio, pesquisas feitas pela Fiat antes de lançar a 1ª versão da Palio Adventure mostravam que uma quantidade considerável de proprietários de veículos 4X4 residentes na zona urbana nem sequer acionavam a tração suplementar.

De fato o bom e velho Jeep Willys é fascinante, e a aptidão para explorar locais bem mais afastados exerce uma forte atração mesmo sobre quem eventualmente não tenha muito tempo livre para ir além de onde termina o asfalto. A bem da verdade, diante de tantos "utilitários" de luxo que desvirtuaram a intenção de priorizar a distribuição do óleo diesel convencional para as atividades agropecuárias e o transporte comercial e comparando os tamanhos de veículos de diferentes propostas, o "pecado" de se usar um Jeep na cidade não soa tão grave... Enfim, não só por servir como uma brecha para se livrar de imposições arbitrárias quanto aos combustíveis que possam ser usados, subestimar o potencial do Jeep para ser um bom veículo até mesmo na cidade acaba se revelando um erro...

segunda-feira, 13 de novembro de 2017

Top 5 de pretextos que levam alguns usuários a optar pelo gás natural numa caminhonete

É impossível ignorar o crescimento da participação do gás natural na matriz energética do transporte brasileiro nos últimos 21 anos, avançando sobretudo em aplicações nas quais a gasolina e o etanol são habituais mas também avançando em segmentos que ainda tem um espaço cativo para o Diesel. No caso das pick-ups, e também de alguns sport-utilities tradicionais, nem sempre a opção pelo gás tem a ver com alguma alegada vantagem desse combustível alternativo em termos de desempenho, sendo mais pautada por aspectos mais subjetivos e às vezes até como uma tentativa de se preservar diante dos problemas de segurança pública que tem atormentado o cidadão de bem. Sem mais delongas, vamos a 5 das justificativas mais comuns entre adeptos do uso de motores do ciclo Otto associado ao gás natural em pick-ups...

Até não perde tanto espaço útil na carroceria... - Naturalmente, o porte de uma pick-up média ou grande faz com que ainda seja disponibilizado um volume razoável que daria conta de atender às necessidades de uma parte considerável de usuários e eventuais interessados em adquirir uma, mesmo quando o cilindro de gás natural não deixe de ocupar algum espaço e eventualmente dificulte a acomodação de alguns itens mais volumosos. Levar uma moto de trilha numa pick-up média de cabine dupla com a tampa da carroceria fechada? Fora de cogitação...

Já é dimensionada para levar peso mesmo... - De fato, a estrutura de uma pick-up tende a ser mais adequada ao peso agregado por um sistema de gás natural em comparação com um carro normal, ainda que às custas da capacidade de carga. Também não seria justo desconsiderar o efeito que o peso adicional teria sobre a dirigibilidade do veículo, principalmente quando vazio, e no caso de algumas com os cilindros montados por baixo da carroceria e atrás do eixo traseiro é possível fazer uma analogia com a prática antiga de lastrear com um saco de areia para diminuir a tendência ao sobresterço (a popular e muitas vezes perigosa "saída de traseira").

Menos visada para roubo que as Diesel, e com seguro mais barato - Não se pode fechar os olhos para a sombria realidade brasileira, onde a crença na impunidade e algumas regalias para bandido fazem com que o cidadão de bem sinta-se de mãos atadas. Como se já não bastasse a proliferação de sistemas de segurança que fazem até a casa mais aconchegante ficar mais parecida com um presídio quando vista do lado de fora, o gás encontrou terreno fértil diante da menor demanda por motores de ignição por faísca e alta cilindrada no mercado negro em comparação aos Diesel, que além de pick-ups e caminhões ainda encontram aplicações em tratores, embarcações e uma infinidade de equipamentos estacionários/industriais.

Ah, mas o som de um V6 (ou V8) a gasolina é tão empolgante... - Aí está um dos pretextos mais subjetivos que levam uma parcela dos consumidores a recorrer ao gás. Afinal, por mais que um motor com essa concepção tipicamente americana e normalmente sedento por gasolina ainda exerça uma forte atração pelo aspecto meramente emocional, e uma conversão para gás natural eventualmente ainda seja motivo de discórdia junto aos entusiastas, não se pode negar que quando bem instalado e regulado acaba sendo mais racional no âmbito do custo comparado à gasolina e ao etanol.

Mas é carro de lazer, e o Diesel é para trator... - Por mais que um bom motor turbodiesel moderno já possa apresentar um funcionamento mais suave e comparável aos similares de ignição por faísca, ainda é comum se deparar com quem os repute excessivamente rústicos, e acaba sendo inevitável a comparação com os motores de concepção mais antiga que permaneceram como o padrão em máquinas agrícolas. Até no tocante ao desempenho, que por décadas colocava os motores de ignição por faísca em vantagem, um bom turbodiesel de alta rotação com 4 cilindros já torna a disputa mais equilibrada mesmo diante dos outrora cobiçados V6 tanto em trabalho pesado quanto a passeio.

Por mais que o gás natural seja eventualmente apresentado como um bom pretexto para se desistir do Diesel, convém observar as circunstâncias por trás de cada alegação para entender até que ponto as vantagens atribuídas possam beneficiar efetivamente o potencial usuário. Não se pode ignorar que boa parte do crescimento na participação do gás natural veicular no mercado brasileiro de combustíveis foi mais motivado pelas restrições ao uso do Diesel em veículos leves. Enfim, mesmo que possa ser integrado a uma política energética abrangente e possa ser substituído pelo biogás/biometano com o intuito de fomentar o uso de combustíveis renováveis e diminuir a dependência por fontes de energia importadas, é desejável preservar a liberdade de escolha do operador para recorrer à opção que melhor se adapte às próprias necessidades.

domingo, 12 de novembro de 2017

Reflexão: até que ponto as restrições ao Diesel em veículos leves realmente acarretaram em algum benefício à segurança energética do transporte comercial e do setor agropecuário?

Num país tão atrelado ao setor agropecuário para geração de riquezas, e dependente de forma excessiva do modal rodoviário para escoamento da produção, parecia muito simples proibir sem muitos critérios técnicos o uso do óleo diesel convencional em veículos leves sob a premissa de causar menos prejuízos à oferta do combustível para aplicações mais essenciais. No entanto, com o distanciamento daquele período histórico que culminou numa medida tão drástica, faz-se necessário ponderar sobre a real eficácia de tal medida. Diga-se de passagem, fazendo um contraponto com a experiência do etanol nos automóveis e utilitários leves, não teria sido mais justo vislumbrar também outras medidas menos comodistas que pudessem de fato fortalecer a segurança energética no campo e nas estradas?

De fato, a onipresença do Fusca e de outros Volkswagens seguindo a clássica concepção do motor traseiro boxer refrigerado a ar na década de '70 à época dos primeiros choques do petróleo, bem como o histórico desinteresse pelo Diesel por parte de fabricantes de origem americana também instalados no Brasil, poderiam levar a crer uma restrição ao uso do óleo diesel convencional norteada somente pelas capacidades de carga e passageiros ou tração soaria irrelevante para a população. Considerando ainda a predisposição para gambiarras que caracteriza o brasileiro médio até a atualidade, bem como a alegada facilidade em adequar os motores de ignição por faísca para operar com etanol, criavam-se as condições mais oportunas para criar expectativas em torno do ProÁlcool como a "salvação" diante das oscilações nas cotações da gasolina predominantemente importada. Chega a ser no mínimo curioso que o mercado automobilístico brasileiro pudesse ter se aberto mais ao Diesel ainda durante a década de '60, quando a Rural então produzida pela Willys-Overland chegou a ter como opcional o motor Perkins 4-203 em alternativa ao BF-161 movido a gasolina, além do mais quando recordamos que o mesmo motor já era usado em alguns tratores, o que poderia facilitar a logística de reposição de peças e obtenção de assistência técnica.

Apesar de que a injeção direta já se consolidava em aplicações pesadas em função de uma maior eficiência no uso do óleo diesel convencional a partir das década de '60 e '70, e o processo de combustão em motores dotados dessa configuração se tornasse menos favorável ao uso direto de óleos vegetais como combustível alternativo, a injeção indireta ainda se fazia presente nos veículos leves, como alguns (poucos) Mercedes-Benz importados, e em '81 surgia no Brasil a Kombi Diesel usando o motor destinado a versões do Passat produzidas exclusivamente para exportação a países onde o Diesel tinha uma maior aceitação em automóveis. Problemas de refrigeração e o despreparo da rede de assistência técnica autorizada fizeram com que a Kombi Diesel se tornasse malvista no mercado e saído de linha já em '85, e de certa forma contribuído para perpetuar a imagem do Diesel como complexo e de difícil manutenção, e assim a combinação do etanol de cana à ignição por faísca permanecia consolidada em detrimento das vantagens que os óleos vegetais poderiam agregar no tocante a uma diversificação das matérias-primas e facilidade em integrar aos cultivares mais adequados às condições de cada região, bem como um impacto menor sobre o uso de terras agricultáveis para a produção de gêneros alimentícios. A crise do ProÁlcool, que atingiu a proporção mais crítica na safra '89-'90, tornou impossível ignorar que a política energética brasileira havia se consolidado em um modelo inseguro e que vinha se tornando insustentável.

Se por um lado a Kombi Diesel não foi tão bem acolhida pelo mercado, por outro o sucesso das adaptações do motor 1.6D na Saveiro mediante um relaxamento nas exigências de capacidade de carga para pick-ups durante a década de '80 serviu para provar que havia alguma receptividade por uma parte do público brasileiro ao Diesel em veículos leves. O menor consumo de combustível em comparação à gasolina, ao contrário do que ocorria com o etanol, era ainda mais significativo numa época em que os postos fechavam aos fins de semana sob a premissa de um "racionamento". Cabe salientar também que, muito antes dos "cowboys de posto" passarem a sonhar com uma Hilux para desfilar no estacionamento do shopping mais próximo, a moda das cabines duplas artesanais já fomentava a desvirtuação no uso de veículos comerciais para fins particulares e pondo em xeque o objetivo de proporcionar uma certa regularidade no fornecimento de combustível para o transporte pesado e aplicações agropecuárias, e nesse sentido uma pick-up pequena como a Saveiro acarretava de fato num impacto menor sobre a demanda pelo óleo diesel.

Também seria justo refletir sobre a inércia do setor do transporte comercial diante da necessidade de minimizar a dependência pelo óleo diesel convencional. Mesmo o biodiesel, cuja aplicabilidade teria sido até mais fácil diante da simplicidade dos motores Diesel mais primitivos da época e podendo contar com gorduras animais descartadas do beneficiamento industrial de carnes como matéria-prima além dos óleos vegetais, sempre foi subestimado no Brasil. É conveniente trazer à discussão o caso do gás natural, cuja utilização no Brasil durante a década de '80 também estava reservada a veículos pesados, antes que em '91 fosse regulamentado o uso em táxis e frotas de serviço e finalmente fosse autorizado o uso em veículos particulares em '96. Por mais que o uso do gás natural em caminhões soasse pouco convidativo, sobretudo em função das longas distâncias e da imprevisibilidade das condições de algumas rotas, não deixa de ser um tanto surpreendente que a aplicação em ônibus urbanos e intermunicipais não tenha recebido grandes incentivos mesmo diante da facilidade para implementar em frotas destinadas a operações estritamente regionais e com retorno a pontos de apoio fixos onde poderiam contar com infra-estrutura para reabastecimento. Levando em consideração ainda o domínio da Mercedes-Benz no mercado de veículos pesados do país à época, e o fato de que o fabricante chegou a oferecer motores de ignição por faísca justamente com a proposta de fomentar o uso do etanol em caminhões e do gás natural em ônibus, chega a causar alguma surpresa que algumas das propostas tidas como "milagrosas" tanto no Brasil quanto no exterior fossem tratadas como uma mera curiosidade ou relegadas a uma quantidade de cenários operacionais menor do que a que pudesse ser realmente beneficiada.

Naturalmente, em algumas aplicações como viaturas militares fica difícil abrir mão de fatores como a adaptabilidade a combustíveis alternativos e eventualmente menores alterações de desempenho diante de alterações na qualidade do óleo diesel, querosene ou outros combustíveis pesados disponíveis num local conflagrado. Por sua vez, outras que também podem ser reputadas imprescindíveis, como a coleta de lixo, até oferecem pretextos para introduzir o uso de outros combustíveis de modo a reduzir a demanda pelo óleo diesel convencional. No caso específico da coleta de lixo, a exemplo do que já ocorre em algumas regiões dos Estados Unidos, chega a ser ainda mais coerente recorrer ao biogás/biometano devido ao deslocamento do veículo para efetuar a descarga em aterros sanitários, podendo já aproveitar para abastecer com o gás proveniente da decomposição da matéria orgânica depositado naqueles ambientes, cuja extração e eventuais processos de filtração e purificação para uso como combustível veicular podem ser efetuadas com o devido controle. Tendo em vista que o dióxido de carbono (CO² - "gás carbônico") resultante da combustão tem uma meia-vida mais curta na atmosfera em comparação ao metano cru, recorrer a esse combustível proporciona uma efetiva contribuição para o fechamento do ciclo de carbono.

Vale destacar que o mesmo biogás/biometano pode ser obtido por outras fontes de matéria orgânica além do lixo doméstico, incluindo resíduos agropecuários e/ou de manejo florestal. Justamente pela importância do produtor rural para a economia brasileira, bem como a recente implementação de normas de emissões para máquinas agrícolas no país, o momento se revela oportuno para que essa alternativa seja avaliada com mais atenção tanto pelo poder público quanto por potenciais usuários. A relativa facilidade para instalar um biodigestor na propriedade rural, que além de viabilizar o uso de um combustível mais barato ainda produz fertilizante agrícola, parece ter um futuro promissor. Talvez pelas condições operacionais numa pequena propriedade, além da baixa velocidade que normalmente se aplica a tratores causar um arrasto aerodinâmico mais próximo do desprezível, até não seria de se estranhar que viessem a ser usados sistemas de baixa pressão com armazenamento do gás em bolsões de tecido emborrachado (ou simples sacos plásticos) montados sobre o teto como se usou na Europa durante a II Guerra com gás de carvão em veículos e posteriormente com biogás em menor escala na Alemanha, e na província chinesa de Sichuan chegou a ser usado com gás natural de origem fóssil ao menos até a década de '90, em função do custo menor que os cilindros de pressão mais elevada atualmente usados em tratores e empilhadeiras movidos a gás liquefeito de petróleo (GLP - "gás de cozinha") e carros movidos a gás natural.





Por mais que a intenção de resguardar o suprimento de combustíveis para aplicações essenciais fosse louvável, e de fato os caminhões e ônibus movimentem a economia brasileira enquanto os tratores incrementam a produtividade agrícola e assim contribuem para fortalecer a segurança alimentar, uma simples restrição ao uso do Diesel em veículos leves deixou de contemplar outras medidas que talvez pudessem ser mais efetivas nesse sentido. Privar a liberdade que o cidadão de bem deveria ter acesso na hora de escolher um combustível para o veículo particular acabou se revelando menos eficaz na prevenção de um desvio do óleo diesel convencional para fins particulares. Enfim, talvez até por não ter incentivado a busca por uma diversificação da matriz energética do transporte comercial e do maquinário agrícola, essa medida teve uma contribuição aquém do esperado no âmbito da segurança energética.