terça-feira, 19 de setembro de 2017

[Polêmica] Poderia o etanol efetivamente substituir o óleo diesel convencional?

Em meio a tantos questionamentos quanto à viabilidade futura dos motores do ciclo Diesel, que tem sido extensiva aos motores de combustão interna de um modo geral. é previsível que algumas alternativas se sobressaiam como uma possível "salvação". Até o etanol, hoje desprezado por grande parte dos brasileiros, passa a despertar alguma esperança. Sob a influência de fatores tão diversos quanto a farta disponibilidade de matérias-primas subaproveitadas, a facilidade para adaptação de motores, simplicidade do sistema de combustível, facilidade na implementação de controles de emissões e a maior densidade energética em comparação ao gás natural, o mé não deixa de se manter competitivo mesmo em algumas aplicações tanto em máquinas agrícolas quanto no transporte pesado.
Um caso que não deixa de chamar a atenção quanto a uma eventual facilidade para substituição do óleo diesel convencional pelo etanol é em alguns caminhões de transporte de bebidas, principalmente nos últimos anos com a consolidação de modelos de cabine avançada que não chegam a aproveitar tão bem a maior extensão da plataforma de carga em comparação a um modelo "bicudo". O tanque de combustível, posicionado imediatamente atrás da cabine e à frente da carroceria, pode ser facilmente substituído por um de maior capacidade sem interferir no volume de carga, para compensar de certa forma a densidade energética do etanol que é por volta de 60% do óleo diesel. A crescente pressão por uma redução de emissões em áreas urbanas, em especial de material particulado e óxidos de nitrogênio, também se torna convidativa para uma maior participação do etanol em operações de distribuição, podendo substituir total ou parcialmente o óleo diesel de acordo com a disponibilidade de cada combustível.

Também vale mencionar que alguns resíduos da fabricação de pães e de cerveja podem servir de matéria-prima para o etanol, como já vem acontecendo na Finlândia, onde todo o etanol produzido localmente provém desses subprodutos que no Brasil acabam sendo um tanto desprezados. Mesmo que não constituam necessariamente a opção mais competitiva diante da cana de açúcar ou do milho considerando uma escala comercial, já se mostram adequadas para reaproveitar materiais com valor comercial quase insignificante e suprir ao menos parcialmente o combustível a ser utilizado por fábricas de pão e cervejarias para a logística e distribuição dos próprios produtos, o que acaba não só reduzindo as emissões mas também os custos e a geração de resíduos. Considerando que alguns dos principais fabricantes de caminhões e ônibus, e alguns fornecedores independentes de motores Diesel já disponibilizam versões de ignição por faísca normalmente destinadas ao uso do gás natural em ônibus urbanos e alguns caminhões no exterior, adaptações para atender a uma eventual demanda por caminhões movidos a etanol não seriam tecnicamente tão difíceis de implementar.

Mesmo considerando uma eventual substituição apenas parcial do óleo diesel convencional pelo etanol já poderia atender também à necessidade de conciliar o controle de emissões com um menor impacto nos custos de manutenção e operação. O controverso sistema SCR, que depende da aspersão de um fluido-padrão de uréia industrial a uma concentração de 32,5% diluída em água deionizada (ARLA-32/ARNOx-32/AdBlue) para reduzir os NOx, poderia ser facilmente substituído pela injeção suplementar de etanol, puro ou também diluído com água em proporções variáveis (podendo ainda reaproveitar até mesmo a água retirada da cabine pelo ar condicionado), proporcionando uma efetiva melhoria no processo de combustão e estando menos sujeita a danos, enquanto o núcleo do catalisador SCR pode sofrer com a cristalização da uréia e acarretar em altos custos de reposição do componente. Além de evitar superaquecimento ao manter um débito de injeção menor, que por sua vez reduz a formação de fuligem, outra vantagem que a aspersão de água com álcool traz é uma menor saturação do filtro de material particulado (DPF).

A maior presença de sistemas híbridos em veículos comerciais pesados, com destaque para o chassi de ônibus Volvo B215RH, também leva a alguns questionamentos. Por mais que o ciclo Diesel não seja tão incompatível com a hibridização quanto poderia parecer, especialmente tendo em vista que tende a demorar mais para estabilizar a temperatura operacional e começar a rejeitar uma grande quantidade de energia térmica comparado aos motores de ignição por faísca, não deixa de ser conveniente observar a relutância dos fabricantes de veículos leves híbridos movidos a gasolina em incorporar neles alguns conceitos já amplamente difundidos tanto nos motores Diesel quanto no contexto do downsizing, mais especificamente o turbocompressor que poderia até eventualmente emular uma variação da taxa de compressão e a injeção direta que facilita as partidas a frio. A estratégia adotada nos motores de modelos como o Toyota Prius, com injeção eletrônica sequencial e um prolongamento da duração da abertura das válvulas de admissão para emular o ciclo Atkinson, acabaria sendo um empecilho ao uso do etanol e poderia dar margem a uma eventual competição com o gás natural (ou o biogás/biometano).

De fato, os combustíveis gasosos já estão sendo mais difundidos em aplicações profissionais que o etanol até mesmo no Brasil, tanto no caso de táxis para os quais o gás natural de certa forma é tido como uma alternativa diante das restrições ao Diesel em veículos leves quanto no de alguns tratores movidos a gás liquefeito de petróleo (GLP - "gás de cozinha") que normalmente são destinados a fins industriais ou em áreas com maiores restrições aos níveis de ruído. Nessas situações, de fato, pode ser que o etanol não seja tão competitivo como uma alternativa ao óleo diesel convencional comparado ao biogás/biometano, que pode ser produzido a partir de uma variedade de matérias-primas ainda mais ampla. Nada impede, no entanto, que se alterne entre o etanol e o biogás/biometano, de modo a assegurar uma maior segurança energética durante as entressafras dos diversos cultivares que venham a ser usados como matéria-prima.

Até o uso de outras matérias-primas alternativas à cana para a produção de etanol é crucial para que possa tornar-se de fato uma alternativa viável de substituição ou complementação da demanda por óleo diesel convencional e biodiesel, com destaque para o milho e a soja. Se por um lado o milho já é reconhecido e amplamente usado, principalmente nos Estados Unidos mas já se consolidando como uma opção adequada também a algumas regiões do Brasil, por outro a possibilidade de se produzir etanol de soja é mais uma daquelas novidades que ainda correm o risco de ser engavetadas pelo lobby sucroalcooleiro paulista, ainda que ao menos uma empresa brasileira (Caramuru Alimentos) esteja desenvolvendo em parceria com a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) um programa para produção em escala comercial. Assim como o etanol de milho é tratado às vezes mais como um subproduto da elaboração do substrato proteico conhecido como DDG (distillation-dried grain - grão seco por destilação) ou "grão de destilaria" (nesse caso podendo ser úmido quando for usado num intervalo mais curto após o beneficiamento), com a soja a proposta é de um aproveitamento do melaço que sobra da produção de proteína concentrada de soja. Considerando a posição do Brasil como exportador de commodities agrícolas, a agregação de valor por meio do beneficiamento também soa mais atrativa do que uma eventual exportação do grão ao natural.

Mesmo em meio a tantas propostas de eliminação do uso de combustíveis fósseis em veículos que tem sido anunciadas recentemente, e que acabam mais focadas nos veículos elétricos como o BYD e6, não deixa de ser surpreendente que a China tenha anunciado um interesse em ampliar o uso do etanol a partir de 2020. Assim, reacende-se uma esperança em torno de uma permanência futura do motor de combustão interna nos principais mercados mundiais, bem como expectativas quanto à capacidade de atender a um mercado tão amplo com o etanol. A bem da verdade, considerando que o governo chinês já compra grandes excedentes da produção de milho em uma medida protecionista para regular os preços e favorecer os agricultores locais, e que a produção de etanol se torna uma boa alternativa para recuperar prejuízos dessa operação e promover um aproveitamento desses mesmos excedentes de grãos, além de reduzir a dependência pela importação de petróleo, fica mais fácil crer que a tração elétrica não vai obter uma hegemonia tão cedo, e modelos populares como o BYD F0 vão tomar muito mé...

Outra situação que poderia favorecer o etanol é uma eventual reabilitação dos motores 2-tempos de ignição por faísca. Antes muito comuns em motos, como a Yamaha TT 125, hoje encontram alguma sobrevida em aplicações especiais como motores de popa para barcos. A fabricação mais simples, que acaba por requerer uma menor quantidade de matérias-primas e menos operações de usinagem, já se revela vantajosa nesses tempos em que se discute a disponibilidade de terras raras para a produção de motores elétricos e compostos químicos para baterias tracionárias, mas não é o único pretexto para uma retomada de participação dos motores 2-tempos no mercado. Outro ponto particularmente crítico é a lubrificação dos motores, e nesse ponto a viabilidade do uso de um óleo de base vegetal já comprovada nos karts e nos antigos automóveis DKW merece destaque diante de questionamentos quanto a uma alternativa para atender aos motores 4-tempos. Assim, podendo valer-se de tecnologias como a injeção direta para manter consumo e emissões de acordo com os parâmetros mais avançados, não deixa de ser viável resgatar a simplicidade inerente aos motores 2-tempos e beneficiar-se de uma relação peso/potência mais favorável.

Enfim, por mais que existam desafios de ordem técnica que uma expansão do uso do etanol ainda venha a enfrentar, permanece como uma alternativa bastante válida de combustível renovável para o transporte motorizado. Outros concorrentes como o biodiesel e o biogás/biometano também contam com algumas vantagens, mas possivelmente uma maior integração entre combustíveis tão distintos ainda seja mais lógica que a consolidação em torno de uma única opção. Portanto, apesar de uma eventual síndrome de vira-lata fazer com que o público brasileiro despreze essa possibilidade, não é de todo errado deduzir que o etanol possa efetivamente substituir o óleo diesel convencional em algumas condições operacionais.

5 comentários:

  1. Ainda me parece que o bioquerosene vai ser mais promissor, tendo em vista que pode ser usado tanto por motores a diesel quanto em turbinas de avião com segurança. Etanol no máximo para veículos leves.

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  2. Eu não boto mais a mão no fogo por motor a álcool, acho mais lógico que se parta logo para o biogás. Anos atrás eu cheguei a ver uma instalação de biogás numa fazenda de freiras no interior de Santa Catarina.

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    1. É possível que tanto o etanol quanto obiogás/biometano encontrem alguns nichos de mercado para os quais melhor se adaptem.

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  3. Substituir totalmente eu duvido que aconteça, mas recorrer ao álcool somente para complementar a demanda pelo óleo diesel já faz todo o sentido em alguns momentos.

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Nem sempre é viável manter as relações de marcha originais após converter um veículo para Diesel, em função dos regimes de rotação diferenciados. Portanto, uma alteração das relações de diferencial ou até a substituição do câmbio podem ser essenciais para manter um desempenho adequado a todas as condições de uso e a economia de combustível.

It's not always viable to retain the stock gear ratios after converting a vehicle to Diesel power, due to different revving patterns. Therefore, some differential ratio or even an entire transmission swap might eventually be essential to enjoy a suitable performance in all driving conditions and the fuel savings.

Mais informação sobre relações de marcha / more info about gear ratios
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