segunda-feira, 17 de julho de 2017

Seria precipitado anunciar a "morte" do Diesel?

Já não é nenhuma novidade que as normas de emissões vão impondo desafios cada vez maiores para as gerações mais recentes de motores automotivos, tanto para os de ignição por faísca quanto para os Diesel, e nesse meio-tempo os híbridos e elétricos puros também vão amealhando simpatizantes. Não só entre uma parte mais influente do público-alvo de carros de luxo, que vê na mobilidade elétrica um pretexto para posar de "ecologicamente-correto", mas principalmente entre entidades governamentais que vem adotando uma postura desfavorável aos motores de combustão interna de um modo geral, a necessidade de um bode expiatório acabou recaindo sobre o Diesel. Mas até que ponto as restrições que cidades como Londres, Paris e Berlim começam a impor à circulação de veículos com motores Diesel enquadrados em normas de emissões mais defasadas e outras medidas tomadas com um viés esquerdista corresponderiam, de fato, à realidade?

Seria estúpido ignorar que os motores do ciclo Diesel tem desvantagens, basicamente no tocante às emissões de óxidos de nitrogênio (NOx) e material particulado (tanto a fuligem em suspensão na "fumaça preta" visível quanto poeiras mais finas), e os principais dispositivos de controle usados para diminuir tais problemas acabam sofrendo interferências mútuas. Por exemplo, enquanto uma proporção maior de combustível pela massa de ar reduz as temperaturas do processo de combustão e portanto leva a condições menos propícias à formação de NOx, acarreta num aumento nas emissões de material particulado, e o processo de "regeneração" forçada do filtro de material particulado (DPF - Diesel Particulate Filter) ao requerer um aumento momentâneo das temperaturas de operação com vias a induzir a oxidação da fuligem retida também resulta num índice mais elevado de NOx durante esse processo. Tal operação foi apontada como uma das possíveis causas para a reprovação de alguns modelos do grupo FCA - Fiat Chrysler Automobiles equipados com motor Diesel em testes conduzidos pela EPA (Environmental Protection Agency - uma espécie de equivalente americano ao IBAMA).

No entanto, a "caça às bruxas" deflagrada principalmente em torno do Diesel tem mostrado algumas inconsistências, tendo em vista que mesmo os motores de ignição por faísca que vem incorporando o conceito do "downsizing" é clara a influência da concepção dos motores Diesel que levaram recursos como o turbo e a injeção direta de alta pressão a serem efetivamente desmistificados junto ao consumidor comum em mercados onde não há a restrição absurda ao uso do óleo diesel convencional em função da capacidade de carga, passageiros ou tração ainda em vigor no Brasil. Apesar de combustíveis voláteis como a gasolina e o etanol apresentarem menos dificuldade para a vaporização em comparação ao óleo diesel convencional e substitutivos como o biodiesel ou óleos vegetais brutos, a injeção direta em fase líquida acaba levando a um intervalo muito mais curto fazendo com que eventualmente o combustível não vaporize de forma mais completa e homogênea, e assim pode vir a ser gerada uma maior quantidade de material particulado fino.

Por mais que sistemas como o SCR (Selective Catalytic Reduction), que neutraliza parte dos NOx por meio de uma reação química entre os gases de escape e um fluido aquoso à base de uréia a 32,5% denominado oficialmente ARLA-32 no Brasil, ARNOx-32 em alguns países vizinhos, AdBlue na Europa, África e Ásia, e Diesel Exhaust Fluid (DEF) nos Estados Unidos e Canadá, acabem impondo um custo maior tanto na fabricação dos veículos equipados com motores Diesel mais modernos quanto em processos logísticos para garantir o suprimento de mais esse insumo, é outro inconveniente que está longe de se tornar um tiro de misericórdia. Mesmo o escândalo relativamente recente do "Dieselgate", que deflagrou uma maior desconfiança com relação à viabilidade do Diesel em aplicações veiculares leves e teve como pivô exatamente uma emissão de NOx acima do regulamentado em alguns automóveis e utilitário do grupo Volkswagen durante um teste independente conduzido nos Estados Unidos, não seria um pretexto tão válido para relegar a ignição por compressão ao passado ou a aplicações pesadas.

A bem da verdade, é de se questionar a quem interessa a dependência pelo fluido-padrão AdBlue para o cumprimento das norma de emissões de NOx, sendo que não proporciona qualquer melhoria efetiva ao processo de combustão e à eficiência energética como se poderia obter através de uma injeção suplementar de água no coletor de admissão (aditivada com metanol para inibir o congelamento e eventualmente facilitar a vaporização) como se usava em aviões de combate durante a II Guerra e até hoje é comum em outras aplicações de alto desempenho. Nesse caso, seria possível não apenas manter os níveis de NOx mais baixos mesmo com um volume menor de combustível a ser injetado, mas também proporcionar uma combustão mais completa reduzindo a formação de material particulado. Ainda que para produção em série esse recurso tenha se tornado menos incomum em esportivos com motor a gasolina como o Oldsmobile Jetfire e o Saab 99 Turbo, e mais recentemente o BMW M4 GTS que faz uso de um sistema fornecido pela Bosch. No caso particular de motores Diesel, considerando que a conservação de energia térmica é benéfica para a eficiência geral, vale destacar a maior retenção do calor absorvido pela água para posterior liberação durante a fase de expansão ao invés de ser descartado por meio do sistema de refrigeração. A bem da verdade, hoje que o ar condicionado é cada vez mais comum em veículos novos, a umidade removida do habitáculo por esse sistema pode ser recuperada para suprir a injeção suplementar, como a própria BMW testou num protótipo baseado na Série 1 durante o desenvolvimento da atual família de motores modulares de 3 e 4 cilindros em versões tanto a gasolina quanto Diesel.

Altas taxas de compressão, essenciais para que ocorra o aquecimento da massa de ar de admissão e a auto-ignição do combustível ao ser injetado num motor do ciclo Diesel, apesar de serem consideradas como o principal motivo para que apresentem uma eficiência térmica superior, de fato proporcionam condições mais propícias à geração dos NOx. Quando aplicadas aos motores de ignição por faísca, ainda que não costumem atingir taxas de compressão tão extremas mesmo recorrendo à ignição direta, já não ficam com uma vantagem tão significativa nas emissões a considerarmos que um sistema de injeção sequencial no coletor de admissão proporciona uma absorção de calor latente de vaporização na massa de ar, e a mistura ar/combustível resultante também acaba sendo submetida a compressões menores com o intuito de evitar uma pré-ignição (a popular "batida de pino") e portanto sofre um aquecimento aerodinâmico menos intenso. Dentre os combustíveis aplicados a motores de ignição por faísca, só o gás natural tem sido efetivamente competitivo contra o óleo diesel convencional, valendo-se da maior compressibilidade mesmo com mistura pobre, mas nesse caso a menor absorção de calor pelo combustível acarreta numa carga térmica mais intensa e prejudicial a alguns componentes, principalmente do cabeçote quando não são dimensionados adequadamente para a conversão ao gás natural. Assim, diante de metas de incremento na eficiência energética média das frotas automotivas e redução no consumo de combustíveis fósseis, o ciclo Diesel ainda é um dos melhores recursos técnicos disponíveis.

A competição com os híbridos, tratados frequentemente como a opção mais economicamente viável a curto prazo para confrentar o Diesel em aplicações veiculares leves, também se mostra incoerente em alguns momentos. Mesmo que a operação mais intermitente do motor em ambiente urbano não seja a mais favorável, principalmente hoje que a presença do turbocompressor se tornou primordial para que os motores Diesel modernos se enquadrem nas mormas de emissões mais rígidas, até o atraso na pressurização do turbo (fenômeno conhecido como turbo-lag) já pode ser mitigado com relativa facilidade. Além de recursos como o turbocompressor de geometria variável hoje muito comuns e que trouxeram uma melhoria significativa no desempenho, outros sistemas como o PowerPulse desenvolvido pela Volvo valendo-se de auxílio eletropneumático para impulsionar a turbina durante a partida ou acelerações mais vigorosas também contribuem para que a eficiência energética superior inerente ao Diesel permaneça não apenas competitiva mas eventualmente até mesmo integrável com relativa facilidade às necessidades específicas de um sistema híbrido.

Por mais que o óleo diesel convencional tenha de fato suas limitações, não é tão sensato ignorar tanto a maior eficiência energética inerente ao ciclo Diesel quanto a adaptabilidade a uma grande variedade de combustíveis alternativos renováveis e com uma queima mais limpa, que também podem ter o uso como substitutivo como no caso do biodiesel ou ainda de forma complementar proporcionando uma melhoria no processo de combustão. As motivações políticas por trás de restrições ao Diesel são o verdadeiro problema, ainda que se tenha acesso a soluções técnicas adequadas para conciliar a economia operacional com as demandas de uma preservação ambiental mais rigorosa. Enfim, mesmo diante de um cenário político desfavorável, chega a ser precipitado anunciar uma "morte" do Diesel de curto a médio prazo.

sexta-feira, 7 de julho de 2017

Breves observações sobre a recente decisão da Volvo Car em tornar toda a linha dotada de alguma propulsão híbrida ou puramente elétrica em até 3 anos

Não é novidade que a Volvo é uma das fábricas de automóveis mais respeitadas a nível mundial, especialmente pelo foco na questão da segurança, posição que naturalmente foi alcançada às custas de investimentos em tecnologia. Mesmo sob a direção da chinesa Geely, atual proprietária da marca, não foi perdida essa tradição, ainda que recentemente a eficiência energética também tenha passado a concentrar esforços significativos na atual linha da Volvo, a ponto de até mesmo um sport-utility de grande porte como o XC90 hoje ser equipado somente com motores modulares da série Drive-E numa configuração de 4 cilindros e 2.0L com turbo e injeção direta tanto para as versões de ignição por faísca a gasolina quanto as Diesel. Considerando o cenário atual em mercados como a Europa e a China, até não seria de causar tanta perplexidade que uma das propostas para atingir esse objetivo seja fazer com que todos os automóveis Volvo novos a serem produzidos de 2020 em diante passem a ser equipados exclusivamente com conjuntos motrizes híbridos ou elétricos puros.

Em matéria publicada ontem (6 de julho de 2017) com autoria atribuída a um certo Andrei Netto no site do jornal O Estado de São Paulo, o popular "Estadão", a notícia foi dada de forma um tanto sensacionalista e claramente equivocada como se a Volvo estivesse anunciando uma efetiva eliminação dos motores a combustão interna da linha, quando na verdade tem como meta permanecer integrando-os aos sistemas híbridos numa proporção mais ousada que a adotada por outros fabricantes tradicionais. Diga-se de passagem, em meio a tantos fabricantes que preferem não seguir o conceito do downsizing nos automóveis híbridos que oferecem, a Volvo vem insistindo em desenvolver soluções para mitigar o turbo-lag de forma eficaz e sem os eventuais desafios no âmbito da confiabilidade que ainda inibem uma incorporação de auxílios 100% elétricos devido ao risco acentuado de danos que os dispositivos poderiam sofrer pela exposição às altas temperaturas envolvidas na operação do turbocompressor, com destaque para o sistema eletropneumático PowerPulse que se vale de ar comprimido suprido por um compressor elétrico para impulsionar o rotor da turbina durante acelerações mais vigorosas em modelos equipados com o motor D5 como é o caso de versões Diesel do Volvo XC90, fazendo com que se tornem mais aptos à operação com desligamento automático em marcha-lenta (start-stop/idle shut-off).

Por mais ambicioso que o plano de uma "hibridização" total possa inicialmente parecer, a Volvo está numa posição bastante confortável para implementá-lo. Além de competir num segmento com maior valor agregado em comparação a fabricantes mais generalistas, o que acaba por suavizar o impacto do custo inicial de tecnologias mais recentes ou que sejam consideradas mais avançadas como é o caso de sistemas híbridos, o crescimento de vendas de 6,4% no ano passado - chegando a 11,5% na China - também soa convidativo a passos mais ousados. O domínio da tecnologia dos híbridos plug-in, que inclusive é aplicada ao menos a duas versões do Volvo XC90 T8 Plug-in Hybrid já disponibilizadas no Brasil, já pode ser visto como um primeiro passo, embora existam outros métodos que facilitariam a conclusão desse objetivo num prazo tão curto e de forma até mais facilmente assimilável por uma parte conservadora do público-alvo da marca. Uma das primeiras alternativas que vem à mente é o sistema BAS-Hybrid, recorrendo a um alternador diferente que também serve como motor de arranque e auxilia o motor a combustão em diferentes situações onde uma maior reserva de potência ou eventualmente um efeito de freio-motor mais intenso venham a ser desejáveis. Mesmo que abra-se mão da possibilidade de trafegar pequenas distâncias exclusivamente com o motor elétrico, convém destacar a "frenagem regenerativa" que promove uma recarga da(s) bateria(s) em condições de desaceleração e um eventual uso do sistema para manter o motor a combustão mais próximo de condições de carga ideais para a máxima eficiência específica (menor consumo por unidade de potência gerada) já desde a partida a frio.

Considerando fatores que vão desde o status atribuído à marca até o desenvolvimento de soluções efetivas para conciliar o melhor desempenho possível em meio a metas de consumo e emissões mais rígidas, não se pode alegar que a Volvo estaria tão distante da possibilidade de se firmar como uma nova referência no âmbito dos sistemas híbridos em aplicações automotivas e utilitárias leves. Também pode-se deduzir que, diante do alto grau de compartilhamento de componentes entre a atual geração de motores Drive-E tanto a gasolina quanto a Diesel, este último estaria longe de ter as perspectivas futuras tão seriamente ameaçadas por uma "hibridização" mais efetiva. Enfim, tudo indica um rumo irreversível a ser tomado pela Volvo, mas não seria algo tão surreal e arriscado como poderia parecer à primeira vista, tampouco uma ameaça de curto a médio prazo para os motores de combustão interna.