sábado, 22 de abril de 2017

Uma reflexão sobre a oposição da Petrobras ao RenovaBio

Em meio às metas para redução de emissões de gases-estufa, com uma maior ênfase no dióxido de carbono (CO² - "gás carbônico"), é previsível que os biocombustíveis conquistem uma participação de mercado cada vez mais expressiva. Havia ainda alguma esperança de que o Brasil conquistasse uma posição de destaque após a experiência de sucesso com o antigo ProÁlcool e mais recentemente com o lançamento do plano RenovaBio, mas o país está ficando cada vez mais para trás tanto no aproveitamento de matérias-primas mais diversificadas quanto no desenvolvimento de novas tecnologias para incrementar a produtividade com os biocombustíveis de primeira geração. A retirada da Petrobras da cadeia produtiva dos biocombustíveis, mediante venda da participação em usinas sucroalcooleiras e o fechamento de fábricas de biodiesel, é um retrocesso que causa alguma perplexidade.

Apesar de uma parte considerável dos prejuízos na ordem de bilhões de reais causados pela corrupção institucionalizada na Petrobras terem sido atribuídos à desastrosa participação da estatal no segmento de biocombustíveis, seria um grave erro subestimar a importância do etanol e do biodiesel para que as metas de redução de 43% das emissões de carbono entre 2005 e 2030 possam ser tratadas como uma proposta realista. Após a expropriação de instalações da Petrobras para extração e processamento de gás natural na Bolívia em 2006, também causa uma certa surpresa que o biogás/biometano permaneça muito subestimado no Brasil. Considerando não apenas a participação mais expressiva do gás natural em aplicações residenciais e também comerciais/industriais substituindo o gás liquefeito de petróleo (GLP - "gás de cozinha"), mas também a adesão maciça de taxistas a esse combustível nas capitais estaduais e outros grandes centros pelo país afora, é conveniente abordar o biogás/biometano como um substitutivo de fácil implementação e integração com o manejo sustentável de resíduos biológicos tanto em zonas urbanas e suburbanas quanto áreas rurais. Além da possibilidade de reaproveitar para fins energéticos ao menos uma parte do metano hoje lançado diretamente na atmosfera em estações de tratamento de esgoto, fossas sépticas, "lixões" clandestinos e aterros sanitários, convém observar o tratamento de resíduos do manejo agropecuário e do processamento industrial de alimentos como um contra-argumento diante das alegações que os biocombustíveis prejudicariam a disponibilidade de terras agricultáveis para a produção de comida.

A atual rejeição da Petrobras aos biocombustíveis pode ser considerada ainda mais irônica diante do aumento da proporção de etanol na gasolina em 2015, quando passou de 25% para 27% sem nenhum estudo técnico acerca de eventuais danos a veículos importados ou mesmo nacionais mais antigos que ainda não seriam "flex". Embora à época fosse alegado que a medida favoreceria o setor canavieiro, na prática o maior beneficiado teria sido a Petrobras que passou a importar gasolina mais barata, com octanagem inferior a ser disfarçada pelo maior teor alcoólico, sem qualquer decréscimo no preço para o consumidor final que pudesse compensar a menor densidade energética. Ou seja, mesmo diante de críticas até do setor sucroalcooleiro em função do maior custo de produção do etanol anidro para a mistura obrigatória na gasolina em comparação ao etanol hidratado para uso direto como combustível veicular, não houve nenhum drama de consciência entre os dirigentes da estatal no momento de lesar o cidadão que se vê refém de um monopólio sobre os hidrocarbonetos.

Mesmo depois que o etanol celulósico também conhecido como etanol de 2ª geração ganhou maior atenção, devido a um possível aproveitamento tanto de resíduos das indústrias madeireira, moveleira e de papel e celulose quanto do próprio bagaço da cana usada na produção do etanol convencional como matérias-primas, salta aos olhos a dificuldade meramente burocrática para implementação em escala comercial desse biocombustível. A tecnologia já é conhecida e aplicada comercialmente ao menos desde 1909 na Suécia, onde não apenas despontou como um combustível alternativo até para o transporte pesado mas tornou-se um insumo muito utilizado pela indústria química, mas no Brasil há um cenário regulatório que favorece a perpetuação da ineficiência através da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) e de certa forma chega a parecer feito sob medida para blindar a Petrobras contra um incremento na competitividade dos biocombustíveis, afugentar investimentos e seguir fazendo o cidadão de palhaço. Levando em conta a presença da indústria agroflorestal fora de alguns pólos sucroalcooleiros nos estados de São Paulo e Alagoas, com destaque para Aracruz-ES e Guaíba-RS, a possibilidade de descentralizar a produção de um combustível tão importante e facilmente adaptável à maior parte da frota brasileira não deixa de ser valiosa até mesmo sob uma perspectiva estratégico-militar ao reduzir o alcance do impacto de eventuais inquietações que afetem as regiões onde o setor sucroalcooleiro se encontra consolidado.

Outros pontos levantados num relatório apresentado pela Petrobras no começo do mês contestando o RenovaBio são a queda na venda de veículos novos em função da conjuntura econômica desfavorável e uma produção de automóveis híbridos no Brasil esperada para ter início entre 2021 e 2023. Ainda que realmente exista uma certa incompatibilidade entre a atual geração de carros híbridos e o sistema bicombustível aplicado a modelos aptos ao uso de etanol e gasolina tanto puros quanto misturados em qualquer proporção, tal circunstância está longe de ser um pretexto para a tentativa de desacreditar os biocombustíveis. Não é impossível que sistemas "micro-híbridos" mais simples, com menor custo de implementação e maior facilidade de integração aos atuais motores "flex" venham a ter de curto a médio prazo uma participação mais ampla em segmentos de entrada, tornando questionável a alegação de que a opção pelos híbridos deva pressupor uma rejeição ao etanol, além de um maior aproveitamento do biogás/biometano por apresentar menores dificuldades na partida a frio tendo em vista que já é armazenado na fase de vapor a temperatura ambiente.

A presença cada vez mais expressiva das motocicletas, favorecida tanto pelo custo de aquisição mais baixo e consumo de combustível reduzido numa comparação aos carros "populares", além do desafio da mobilidade em meio ao trânsito pesado não apenas nos grandes centros mas também em cidades médias, já antecipa o cenário de queda na demanda por combustíveis que a Petrobras prevê no caso de um fortalecimento na participação dos híbridos nas vendas de veículos novos, mas cabe observar a adesão das duas principais fábricas de motos instaladas no país à tecnologia "flex" em modelos com uma proposta mais popular como um pretexto para seguir apostando numa competitividade do etanol diante da gasolina. Justamente pelo consumo menor, de certa forma as motos exercem uma pressão menor sobre a demanda por matérias-primas para os biocombustíveis, o que poderia ser convidativo para pequenos produtores rurais aproveitarem o potencial de resíduos tão diversos quanto o bagaço de uva em vinícolas quanto a "cauda" e a "cabeça" da coluna de destilação de cachaça, passando por outros tantos resíduos sem valor comercial significativo como cascas de frutas, tornando o custo do combustível mais competitivo diante da gasolina em regiões rurais onde a moto passou a substituir o cavalo e os muares.

Naturalmente, num país com forte dependência pelo transporte rodoviário, rechaçar um aumento na proporção de biodiesel adicionada ao óleo diesel convencional também pode ser considerada uma medida contrária aos melhores interesses nacionais. Assim como o ProÁlcool só tomou a proporção pela qual ficou notabilizado a partir da oferta de veículos movidos a etanol de fábrica, é importante que sejam proporcionadas condições para que a indústria de biodiesel possa recuperar-se do atraso provocado tanto pela ênfase inicialmente dada à mamona que no fim se mostrou pouco competitiva diante da soja quanto pelo ufanismo em torno do "pré-sal" a partir de 2009. Embora a proporção de biodiesel obrigatória para o óleo diesel convencional em vigor no Brasil atualmente seja de apenas 8% (B8), fabricantes de motores como a Cummins já homologam motores aptos a funcionar com uma mistura contendo até 20% (B20) do combustível alternativo, além de experiências com biodiesel puro (B100) no transporte coletivo com destaque para Curitiba.

Dentre as propostas do RenovaBio, chama atenção a possibilidade de antecipar as misturas B9 (9% de biodiesel) de março de 2018 para julho de 2017 e B10 (10% de biodiesel) de março de 2019 para março de 2018 causam certa euforia junto a produtores de biodiesel, mas infelizmente o mais provável é que o cronograma se mantenha como está. A dependência de autorização do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) para o uso de proporções entre B10 e futuramente B15 (15%), mesmo quando a viabilidade de teores mais elevados já é reconhecida como viável por fabricantes de motores, veículos e equipamentos, não deixa de ser outro empecilho a ser superado tanto pela indústria de biodiesel e transportadores-revendedores retalhistas quanto potenciais usuários sem capacidade instalada para produção própria do combustível. O veto à comercialização de etanol e biodiesel por parte dos designados "transportadores-revendedores retalhistas" (TRR), instituído pela Resolução ANP nº 8, de 6 de março de 2007, que também proíbe a venda de gasolina, gás liquefeito de petróleo, gás natural e combustíveis de aviação, é outra medida desastrosa que necessita ser corrigida para que o RenovaBio possa avançar e atender melhor não apenas às metas de redução de emissões mas também às reais necessidades de consumidores que possam ser beneficiados pelo uso de combustíveis mais limpos.

Mesmo com os desafios impostos pelas normas de emissões Euro-5, sobretudo pela dificuldade apresentada para vaporização do óleo diesel com proporções elevadas de biodiesel durante os ciclos de "regeneração" forçada do filtro de material particulado (DPF) principalmente em veículos que não contam com um injetor específico para o filtro e portanto dependentes de uma pós-injeção durante a fase de escape, não se deve ignorar outras aplicações dependentes do óleo diesel convencional que ainda contam com regulamentações de emissões menos rigorosas em embarcações, grupos geradores, maquinário agrícola e de construção, nas quais o biodiesel e eventualmente até mesmo o uso direto de óleos vegetais brutos como combustível tornam-se convidativos por razões que vão desde um menor custo de produção e a eventual eliminação de despesas com transporte e atravessadores - inclusive a própria Petrobras - no caso do combustível ser usado pelo produtor rural. Cabe destacar, além do alto custo para distribuir por todo o país os combustíveis provenientes de uma rede de refinarias pequena e mais concentrada nas proximidades do litoral, uma previsível redução nas emissões relacionadas aos processos logísticos que estaria associada a um uso mais intenso de biodiesel ou óleos vegetais brutos com produção mais regionalizada, tanto na agricultura por todo o país quanto na navegação que ainda é o principal modal de transporte para muitas comunidades ribeirinhas da Amazônia.

Além das metas de sustentabilidade tão em voga atualmente, é conveniente destacar outros aspectos positivos que o RenovaBio pode trazer para o país, desde a valorização do agricultor e combate ao êxodo rural até o fortalecimento da segurança energética, mas também deve-se lançar um olhar mais crítico sobre o atual cenário regulatório do mercado de combustíveis no Brasil e o poder excessivo que a Petrobras tem não apenas sobre os derivados de petróleo e o gás natural mas também para sufocar o mercado de biocombustíveis. As críticas da estatal a um fomento a outras alternativas acaba remetendo a precedentes perigosos, como a crise institucional da Venezuela em função do comodismo em torno da indústria petrolífera. Portanto, ainda que o RenovaBio possa não ser "perfeito", a oposição manifestada pela Petrobras não condiz com a realidade e vai contra os melhores interesses do cidadão brasileiro que cansou de ser refém da incompetência e da corrupção.

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Nem sempre é viável manter as relações de marcha originais após converter um veículo para Diesel, em função dos regimes de rotação diferenciados. Portanto, uma alteração das relações de diferencial ou até a substituição do câmbio podem ser essenciais para manter um desempenho adequado a todas as condições de uso e a economia de combustível.

It's not always viable to retain the stock gear ratios after converting a vehicle to Diesel power, due to different revving patterns. Therefore, some differential ratio or even an entire transmission swap might eventually be essential to enjoy a suitable performance in all driving conditions and the fuel savings.

Mais informação sobre relações de marcha / more info about gear ratios
http://dzulnutz.blogspot.com/2016/03/relacao-de-marcha-refletindo-sobre.html