terça-feira, 27 de setembro de 2016

Caso para reflexão: Toyota Hilux Revo com motor 5L-E

A posição privilegiada da Toyota em alguns dos principais mercados internacionais é inquestionável, e uma grande parte desse sucesso deve-se à Hilux. Com uma plataforma adequada a diferentes necessidades a nível mundial, hoje as diferenças mais significativas estão centradas nos motores oferecidos em diferentes regiões de acordo com normas de emissões e/ou a qualidade do óleo diesel convencional disponível. Ao consultar o site da Toyota Gibraltar Stockholdings, uma subsidiária da Toyota Motor Europe NVSA encarregada de vendas diretas para governos, ONGs e para a ONU principalmente na África e Oriente Médio, não deixa de saltar aos olhos a oferta de versões da atual geração da Hilux com o motor 5L-E naturalmente aspirado e de injeção indireta paralelamente ao 2KD-FTV dotado de turbocompressor (mas sem intercooler) e injeção common-rail que chegou a ser usada no Brasil entre 2005 e 2011 na Hilux Vigo. Um vídeo oficial de apresentação da Hilux Revo com o motor 5L-E está disponível no YouTube.
Apesar de não estar de acordo com as normas de emissões atualmente em vigor no Brasil e de proporcionar um desempenho mais modesto, a permanência do motor 5L-E em produção para atender a outros países subdesenvolvidos acaba por proporcionar uma interessante perspectiva para refletir sobre a obsessão por potência e o status de "luxo" que as pick-ups hoje tem no mercado brasileiro. A permanência da injeção indireta, tida como obsoleta na maior parte do mundo mas que além do custo menor de fabricação e da manutenção mais simples em virtude das menores pressões operacionais ainda proporciona uma maior aptidão a adaptações para um uso seguro de óleos vegetais naturais diretamente como combustível veicular, também inspira uma reflexão no tocante a possibilidades de promover uma redução na dependência do setor agropecuário pelo óleo diesel convencional. Por mais que a atual geração de motores turbodiesel atraia pelo funcionamento suave e pelo desempenho capaz de fazer frente aos motores de ignição por faísca em todas as condições de uso, bem como alguns esnobes possam olhar com desdém para o 5L-E, convém pesar algumas prioridades antes de simplesmente decretar qual seria o "melhor" motor.

sábado, 10 de setembro de 2016

Uma reflexão sobre a real extensão da dependência brasileira pelo gás natural importado da Bolívia

Não há dúvidas quanto à posição privilegiada que o gás natural encontrou no mercado brasileiro desde a liberação do uso desse combustível para veículos particulares em '96, inicialmente com uma ênfase maior no eixo Rio-São Paulo devido à produção nacional concentrada nas bacias de Campos e de Santos e posteriormente alcançando uma parcela mais expressiva de consumidores com a implementação do gasoduto Bolívia-Brasil. Embora existam outros campos de gás em operação fora das bacias de Campos e de Santos, como por exemplo em Coari (AM), e outras reservas conhecidas que não estão sendo exploradas como no Vale do Rio do Peixe em Santa Catarina, hoje a maior parte do gás natural consumido no Brasil é importada da Bolívia.
De certa forma, não é equivocado avaliar a popularidade do gás natural veicular (GNV) mais como um efeito colateral das restrições ao Diesel em veículos leves que por outros fatores como pretensões "ecológicas" ou até mesmo o preço menor em comparação a outros combustíveis tradicionais como a gasolina e o etanol. Desvantagens um tanto óbvias como uma redução na capacidade de carga dos veículos adaptados para gás natural, e outras que parecem menos evidentes para o povão alienado pelas novelas da Rede Globo como os riscos de se comprometer a segurança energética por meio da pesada dependência por um fornecedor estrangeiro, acabam por dar margem a questionamentos em torno de outras opções menos arriscadas e que priorizem fontes de energia nacionais e preferencialmente renováveis.
No contexto do Rio Grande do Sul, onde os invernos rigorosos acabavam naturalmente tornando-se um desincentivo ao uso do etanol, seria um erro grave ignorar o potencial de outros biocombustíveis que poderiam ser desenvolvidos em um âmbito mais regionalizado como o biodiesel, óleos vegetais naturais e o biogás/biometano com a clara intenção de reduzir a demanda pelo gás boliviano. Por mais que o biodiesel e o uso direto de óleos vegetais como combustível ao menos num estágio inicial viessem a ter uma aplicabilidade restrita em função da capacidade de carga, passageiros e/ou tração tornando quase nula a oferta de veículos leves com motor Diesel, seria precipitado descartar uma mudança na política energética, e até mesmo a liberação do gás natural anteriormente restrito a táxis e frotas de empresas e do serviço público pode ser apontada como um precedente a ser analisado. Há ainda alguns subprodutos da extração de óleos vegetais e da transesterificação, desde a torta da moagem das sementes até mesmo a glicerina caso não venha a ser totalmente aproveitada pela indústria química, que podem então ser usados como matéria-prima para o biogás/biometano de modo a atender não apenas aos veículos movidos pelo gás natural boliviano como também aplicações estacionárias residenciais, comerciais e industriais que também fazem uso desse combustível, ou até avançar para outras nas quais o óleo diesel convencional ainda é predominante como em grupos geradores.
A integração do biogás/biometano, ao contrário da forma um tanto antagônica que os combustíveis gasosos de um modo geral vem sendo apontadas com relação ao óleo diesel convencional, abriria exatamente uma valiosa possibilidade para fazer do biogás/biometano um importante aliado em defesa da liberação do Diesel para veículos leves. Mesmo que alguns segmentos como o dos táxis hoje tenham uma participação muito expressiva do gás natural, não se pode ignorar a existência de operadores que, apesar do custo operacional já inferior ao da gasolina, ainda se revelam insatisfeitos com alguns aspectos como a sensível diminuição no espaço do porta-malas, desempenho menos vigoroso e os testes hidrostáticos aos quais os cilindros de armazenamento do gás devem ser submetidos de 5 em 5 anos. Portanto, caso outra alternativa com uma relação custo/benefício mais de acordo com as necessidades operacionais ou preferências pessoais seja oferecida, não seria tão espantoso que viesse a haver uma menor dependência de boa parte dos taxistas pelo gás natural importado da Bolívia.

Até o milho, tão apreciado pelo valor alimentício tanto em grão quanto em especialidades como a polenta, um dos acompanhamentos mais tradicionais para um delicioso galeto al primo canto, também pode ser um importante aliado em defesa da segurança energética. Apesar das polêmicas em torno da menor quantidade de etanol numa comparação com a cana-de-açúcar tanto por área cultivada quanto pela energia aplicada nas diferentes fases do cultivo, colheita e beneficiamento, o milho ainda rende óleo e um substrato com alto teor de proteínas conhecido como "grão de destilaria" ou DDG (distillation-dried grain - grão seco por destilação) que pode ser incorporado tanto na alimentação humana quanto na formulação de rações para animais. Diga-se de passagem, eventuais perdas por evaporação durante a produção do etanol são menos problemáticas sob o ponto de vista ambiental, causando um impacto menor no efeito-estufa que a emissão de metano resultante da fermentação da maltodextrina (principal carboidrato natural do milho in natura) no trato digestivo de alguns animais. Não seria de se estranhar que, por exemplo, o DDG seja usado tanto na ração consumida pelo galeto na granja quanto adicionado em proporções variáveis no fubá usado para preparar polenta.

Antes de qualquer carne chegar à mesa, também há de se considerar o manejo dos dejetos dos animais e de resíduos do abate. Desde o esterco e a "cama de frango" na granja até sangue, vísceras de baixo valor comercial e pelos ou penas no abatedouro, há uma grande quantidade de material orgânico que pode ser encaminhado a um biodigestor para que sejam produzidos biogás/biometano e fertilizante agrícola N-P-K orgânico. Também não se pode deixar de lado a possibilidade de usar o óleo de vísceras de frango como matéria-prima para biodiesel, tendo em vista que a adição dessa gordura em rações vem sendo desencorajadas devido à expressiva participação de empresas brasileiras em mercados onde existam tanto restrições sanitárias quanto culturais e religiosas a essa prática. Em algumas regiões, além de preocupações quanto à contaminação de rios por dejetos suínos não-tratados, há também o interesse econômico no biogás/biometano justamente em função da ausência de ramificações do gasoduto Bolívia-Brasil. Naturalmente, excedentes de produção podem ser inseridos na rede canalizada de modo a complementar o gás atualmente importado da Bolívia e eventualmente até substituí-lo.


Lixo e esgoto doméstico são outras fontes de energia atualmente subestimadas. Por mais que o biometano possa ser usado nas frotas de caminhões de coleta de lixo e nos auto-vácuo (limpa-fossa) com um custo próximo do zero, e mesmo o biogás bruto também seja aproveitável em equipamentos como motobombas e grupos geradores, o descarte irregular de resíduos em "lixões" e a abrangência insuficiente da rede coletora de esgoto são um desafio em muitas cidades. Até capitais como Porto Alegre enfrentam esse problema, cujo impacto vai além do custo operacional dos serviços de coleta de lixo e saneamento básico. A proliferação de vetores patogênicos é outro aspecto que deve ser lembrado e portanto, além da economia que o biogás/biometano proporciona, a destinação correta de resíduos reduz os riscos de uma quantidade considerável de doenças infecto-contagiosas.

Também não se pode ignorar as animosidades em função da influência cubana/venezuelana sobre a política externa boliviana, levando a atritos entre o governo brasileiro e a escória "bolivariana" insatisfeita com o impeachment da Dilma. O que parecia uma brecha para a Bolívia quebrar o contrato de exportação de gás para o Brasil, no entanto, revela quem realmente está na mão de quem. Com o acordo hoje em vigor beirando o vencimento, previsto para 2019, o governo boliviano já engole o choro começa a buscar um tom mais conciliador visando condições mais favoráveis para negociar uma continuidade da operação. Tendo em vista que o gás natural é o principal produto na pauta de exportações boliviana sem considerar a cocaína e derivados, é previsível que fiquem temerosos quanto a um atrito com o principal cliente. Certamente o fanfarrão aspirante-a-ditador Evo Morales, que já teve até a petulância de ameaçar invadir militarmente o Brasil, sabe que o buraco é mais embaixo e que o Exército Brasileiro é muito mais capacitado para guerra na selva.

Enfim, por mais que o gás natural importado da Bolívia ocupe hoje uma posição de destaque na matriz energética brasileira, está longe de ser imprescindível. Não faltam opções mais seguras com implementação relativamente fácil e baixo custo, tendo como principal impedimento para uma utilização em grande escala a pura e simples incompetência política. É perfeitamente viável que o Brasil eventualmente venha a se libertar da dependência hoje observada com relação à Bolívia, e temores quanto a um desabastecimento de gás estão mais distantes do que possa parecer à primeira vista.

segunda-feira, 5 de setembro de 2016

Reflexão: até que ponto as críticas do ministro Blairo Maggi ao setor sucroalcooleiro procedem?

Em meio a tentativas de se cobrir o rombo que o PT provocou nas contas da Petrobras, que teve prejuízos segurando artificialmente os preços da gasolina e do óleo diesel num momento de alta nas cotações do petróleo no mercado internacional antes da reeleição da Dilma, e que nem os aumentos de preço num momento de queda das cotações internacionais conseguiram estancar a contento, seria previsível que o etanol voltasse a ser enaltecido como uma alternativa para reduzir a dependência por combustíveis fósseis importados. No entanto, algumas divergências de opinião surgidas entre o ministro da Agricultura e a União da Indústria da Cana-de-Açúcar (Unica) quanto à necessidade de subsídios ao setor sucroalcooleiro dão a entender que o etanol está longe de ser uma prioridade.

O ministro Blairo Maggi, paranaense filho de gaúcho, tem uma experiência considerável na agroindústria mato-grossense. É um conhecido produtor de soja, que permanece como a principal matéria-prima para o biodiesel nacional e ainda uma das commodities agrícolas mais importantes da pauta brasileira de exportações. A princípio, seria de se esperar então uma maior receptividade a propostas de liberação do Diesel em veículos leves visando fomentar não apenas a produção do biodiesel mas também incentivos ao uso direto de óleos vegetais brutos como combustível veicular, que viriam a ser boas oportunidades para agregar valor à produção e de certa forma não teriam um impacto tão pesado sobre a segurança alimentar ao manter a disponibilidade de outros derivados da soja para elaboração de alimentos industrializados e rações pecuárias. Já teria sido um bom começo reabilitar o PLS 81/2008, que previa incentivos à substituição do óleo diesel convencional por óleos vegetais brutos em atividades agropecuárias e no transporte coletivo urbano de passageiros, mas ao menos num primeiro momento ainda não houve nenhuma ação concreta nesse sentido. Mas seria ingenuidade acreditar que o ministro tenha medo de desagradar ao setor canavieiro, rotulado por ele como "incompetente".

Não é possível afirmar que Blairo Maggi esteja errado em se opor ao que chama de "protecionismo permanente" com relação ao etanol. Embora a alegada melhoria na qualidade do ar mediante uso de combustíveis renováveis e menos poluentes seja atrativa, não é coerente correr o risco de se transformar as principais regiões produtoras de etanol de cana numa espécie de "Venezuela verde". A queima do bagaço da cana como combustível para caldeiras nas usinas, por exemplo, compromete uma matéria-prima que pode ser aproveitada na produção do etanol celulósico, ou "etanol de segunda geração" como também é conhecido, de modo a aumentar o rendimento em litros de combustível por hectare cultivado. Não se pode esquecer os problemas associados ao manejo do vinhoto, também conhecido como vinhaça, um resíduo líquido resultante da produção de etanol cujo descarte irregular em cursos d'água compromete recursos pesqueiros. De uns tempos para cá o vinhoto bruto passou a ser mais usado como adubo nas próprias lavouras de cana, mas isso não elimina o risco de percolação no solo e contaminação de lençóis freáticos subterrâneos, um problema que pode ser minimizado mediante o processamento desse resíduo em biodigestores junto a outros resíduos agropecuários diversos para geração de biogás/biometano e fertilizante agrícola.

De acordo com João Carlos Meirelles, secretário estadual de Energia e Mineração em São Paulo, o biometano além de constituir uma nova oportunidade de negócio para o setor sucroenergético, permite redução de custos ao ser utilizado não apenas nas caldeiras como também ao ser usado nas frotas de caminhões a serviço das usinas de modo a diminuir o consumo de óleo diesel. Tal proposta se revela coerente também para rebater argumentos quanto a uma dependência do transporte pesado pelo óleo diesel convencional como um pretexto para manter restrições ao uso desse combustível e de substitutivos como o biodiesel em veículos leves. Atualmente 166 usinas de etanol instaladas no estado de São Paulo já são signatárias do protocolo agroambiental, e 66 situam-se a um raio máximo de 20km de distância da rede de gás natural canalizada, e ainda há o Programa Paulista do Biogás (Decreto nº 58.659, de 4 de dezembro de 2012) que prevê a mistura de um percentual mínimo de biometano no gás natural comercializado no estado e enfatiza justamente o vinhoto da cana como uma das matérias-primas a serem priorizadas nesse processo.

A continuidade de um setor tão importante para o país depender de subsídios não é uma perspectiva segura. Também não se pode negar que o setor sucroenergético vem cometendo alguns erros, desdenhando por tanto tempo o potencial competitivo do biogás/biometano, além da dependência pela cana-de-açúcar em detrimento da possibilidade de usar o milho durante a entressafra da cana comprometer tanto os chamados "estoques reguladores" quanto a estabilidade dos preços do etanol no mercado interno em função das oscilações nas cotações do açúcar para exportação. Desde a produção artesanal por mendigos e presidiários de uma bebida alcoólica análoga à cachaça conhecida como "Maria louca" a partir de grãos e restos de frutas até a experiência centenária da Suécia com o etanol de celulose derivado de resíduos das indústrias madeireira e papeleira, há muitos exemplos que evidenciam uma certa incompetência do setor sucroalcooleiro em incorporar uma maior variedade de matérias-primas que possam não apenas agregar rentabilidade à operação como restaurar a confiança do consumidor comum, que só voltou a demonstrar algum interesse pelo carro "a álcool" a partir de 2003 quando o sistema "flexfuel" começou a ganhar espaço.

É previsível que, para um membro de um governo que tem o desafio de recuperar uma economia devastada pela gestão anterior, qualquer possibilidade de renúncia fiscal pareça aterrorizante. No entanto, convém avaliar com a necessária cautela a situação do setor agroenergético antes de se tomar uma decisão que venha a comprometer tantos postos de trabalho e também os impactos ambientais que uma política de combustíveis medíocre poderia acarretar. Não se deve ignorar as possibilidades de promover uma maior integração entre a produção de energias renováveis e a segurança alimentar, uma lição que a indústria canavieira tem se mostrado relutante em assimilar mas que viria a ser uma condição justa para negociar eventuais benefícios fiscais. Portanto, as críticas feitas pelo ministro Blairo Maggi ao setor sucroalcooleiro se mostram procedentes.

quinta-feira, 1 de setembro de 2016

Reflexão: até que ponto os híbridos são capazes de manter a competitividade da ignição por faísca?

Já não é novidade que os veículos híbridos combinando um motor a gasolina e um elétrico vem sendo apresentados de uma forma quase messiânica, com destaque para o Toyota Prius por ter difundido esse sistema a nível mundial. No entanto, em meio ao fenômeno do downsizing, não deixa de chamar a atenção que o Prius, atualmente na 4ª geração, e outros modelos com uma configuração semelhante permaneçam alheios à popularização do turbocompressor e da injeção direta nos motores de ignição por faísca. De fato, a permanência da aspiração natural pode ser vista como um contraponto ao maior custo inerente a um sistema de tração híbrido, além da injeção multiponto sequencial indireta favorecer o controle das emissões de óxidos de nitrogênio (NOx) ao proporcionar uma vaporização completa do combustível antes do processo de combustão quando comparada à injeção direta que vem ganhando espaço em automóveis não-híbridos. Ainda assim, é uma estratégia controversa, principalmente no tocante à adaptabilidade a combustíveis alternativos.

Enquanto o Toyota Prius era novidade no mercado brasileiro ainda na geração anterior, muita especulação foi feita em torno de uma eventual incorporação da tecnologia "flexfuel" ao motor 2ZR-FXE com o intuito de aproveitar a experiência de sucesso no uso do etanol em substituição à gasolina, mas no fim das contas a proposta não foi adiante. O próprio funcionamento intermitente do motor a gasolina no anda-e-para do trânsito urbano viria a se tornar um empecilho, dificultando a vaporização do etanol durante as sucessivas partidas. Naturalmente, uma parte da energia recapturada através do sistema de frenagem regenerativa poderia ser usada para pré-aquecer o combustível como se observa em alguns carros "flex" produzidos no Brasil, México e países do Mercosul, com o etanol atingindo uma temperatura suficiente para vaporização durante o intervalo de tempo entre o início da movimentação do Prius através do motor elétrico e a entrada do motor a gasolina em ação, mas iria contra as expectativas de uma redução na desvantagem do etanol com relação à gasolina no tocante à eficiência geral. Dentre os combustíveis alternativos disponíveis em escala comercial, o gás natural ainda se mostra mais adequado para uso em veículos híbridos que o etanol justamente por permanecer em estado de vapor nas temperaturas ambientes observadas em diferentes regiões do país, podendo ser substituído por biogás/biometano com facilidade quando disponível.


Um exemplo claro do contraste entre os motores destinados aos híbridos e os que apenas se enquadram no conceito de downsizing é a atual geração do Ford Fusion. Enquanto a injeção indireta aplicada ao híbrido depende do calor latente do ar para promover a vaporização do combustível, o motor EcoBoost dotado de turbo e injeção direta recorre ao aquecimento aerodinâmico promovido durante a fase de compressão, e também pela indução forçada, para que o combustível vaporize apenas quando for injetado diretamente nas câmaras de combustão. Ainda que tanto o Hybrid quanto o EcoBoost não sejam disponibilizados em versões "flex", a injeção direta elimina boa parte das dificuldades associadas à partida a frio com o etanol. Outro aspecto a salientar é referente às taxas de compressão: a injeção direta traz uma maior segurança ao usar taxas mais elevadas nos motores a gasolina sem o risco de uma pré-ignição, permitindo também que o motor opere com uma proporção mais pobre em combustível para uma dada massa de ar. Embora o híbrido também recorra a uma taxa de compressão alta, diga-se de passagem 23% mais elevada que a do EcoBoost, o prolongamento na duração da abertura das válvulas de admissão avançando sobre o tempo de compressão acaba por tornar a compressão dinâmica menor que a compressão estática de modo a reduzir as chamadas "perdas por bombeamento" através do efeito Atkinson, fazendo com que a fase de expansão tenha um curso efetivo mais longo que a compressão.



Em que pese a menor adaptabilidade dos principais automóveis híbridos ao etanol, que até certo ponto pode constituir um obstáculo para a aceitação de uma grande parte do público brasileiro, ainda levam vantagem num contexto mundial pós-Dieselgate no qual a histeria eco-normativa vem sendo posta em xeque. Os fluxos mais quentes devido à preservação do calor latente no ar admitido sem antes vaporizar ao menos uma porção do combustível fazem com que discrepâncias nas emissões de NOx de forma análoga às que levaram a um dos maiores escândalos dos últimos anos possam também ser observadas em um motor a gasolina ou "flex", até mesmo eventualmente convertido para funcionar com combustíveis gasosos. Outro efeito colateral da injeção direta em motores de ignição por faísca que vem recebendo mais atenção recentemente é a formação de material particulado, que antes parecia um problema inerente apenas ao Diesel. Tendo em vista que, com exceção do gás natural, outros combustíveis normalmente usados num motor do ciclo Otto (gasolina, etanol e até o gás liquefeito de petróleo - vulgo GLP ou "gás de cozinha" - nos países onde é regulamentada a aplicação como combustível automotivo) são injetados ainda na fase líquida quando a injeção direta está presente, uma parte que não esteja suficientemente vaporizada pode sofrer combustão incompleta. Não é de se estranhar que hoje no mercado europeu a Lexus, divisão de luxo da Toyota, venha dando prioridade aos híbridos, e modelos como o NX que aqui contam com motor 2.0L turbo com injeção dupla (direta e indireta) sejam oferecidos em países como Portugal e Espanha apenas com o 2.5L aspirado de injeção indireta usado nas versões híbridas.

Ao menos hoje, não seria tão equivocado apontar uma maior ênfase que venha a ser dada ao gás natural e por extensão ao biogás/biometano em detrimento do etanol como um fator preponderante para que os híbridos ainda consigam manter a ignição por faísca suficientemente competitiva, ao passo que o downsizing puro e simples tem trazido inconvenientes e exigiria um grande investimento como o que já vem sendo feito no desenvolvimento de soluções para o controle de emissões nos motores Diesel modernos. O que vai realmente ditar as regras vão ser as conveniências políticas e a integração das cadeias produtivas dos principais biocombustíveis a serem destinados ao uso automotivo tanto puros quanto combinados, desde o etanol e o biodiesel até o biogás/biometano. Nesse sentido, os híbridos podem até ser vistos como uma alternativa para que a ignição por faísca mantenha alguns nichos de mercado cativos nas próximas décadas, ainda que o Diesel se sobressaia no tocante ao custo/benefício a ponto de algumas aplicações como o ônibus híbrido da Volvo derrubarem a percepção de Diesel e híbridos como antagônicos.