segunda-feira, 31 de março de 2014

Breve reflexão sobre um golpe contra a segurança energética

Durante o tão criticado Regime Militar, entre tantas realizações que contribuíram para que o Brasil tivesse um breve progresso econômico e social, teve origem o ProÁlcool, programa de renovação da matriz energética veicular mais bem-sucedido a nível mundial, servindo até hoje como referência no exterior apesar das constantes sabotagens que sofre em seu próprio país, numa tentativa revanchista de desprestigiar o legado dos generais-presidentes. A bem da verdade, o uso do etanol como combustível não chegou a ser uma inovação 100% brasileira, remontando desde a época dos motores de ignição por tubo quente até a atual geração de motores "flex" de ignição por faísca, passando ainda pelo Ford Modelo T e pelo Fusca, e alguns experimentos independentes chegaram a ser feitos em São Paulo, Pernambuco e Alagoas desde a década de '30, mas só entre '73 e '79 após os choques da Crise do Petróleo que começou a ser encarado pelo grande público como uma alternativa prática e economicamente viável frente à gasolina.

A disseminação dos motores "flex" entre 2003 e 2004 parecia dar uma nova força aos biocombustíveis no mercado brasileiro, mas o aparelhamento político da Petrobras mostrou-se um empecilho. Toda a propaganda em torno do Pré-Sal e da suposta "auto-suficiência em petróleo", e o uso dos preços da gasolina e outros derivados do petróleo como bandeira política de um falso controle da inflação mediante um pesado comprometimento de verbas públicas desequilibraram a competitividade no mercado de combustíveis, que já começava a se mostrar mais favorável às alternativas de origem renovável. Ignoram-se razões de ordem técnica por mera conveniência política e, além da Petrobras ser usada como "vaca leiteira", há a ANP com imposições esdrúxulas e puramente arbitrárias que vão desde limitações ao volume de biodiesel permitido em mistura no óleo diesel convencional até o impedimento à venda varejista de biodiesel puro (B100) e do etanol de microdestilarias. Chegou-se ao cúmulo do absurdo no ano passado quando foi proposta a substituição do etanol hidratado puro (E100 ou E96h) pelo etanol anidro com adição de 15% de gasolina, o que além de eliminar a principal vantagem de se usar um combustível 100% renovável traria um indesejável acréscimo ao custo operacional da produção de etanol.

Por mais que a esquerda-caviar diga defender a "agricultura familiar", as oportunidades de geração de emprego e renda nas zonas rurais (ou mesmo como alternativa para promover uma maior estabilidade biológica e revitalizar áreas degradadas nas periferias de grandes metrópoles) que estariam vinculadas ao uso dos óleos de mamona e pinhão-manso cultivados em pequenas propriedades ou em hortas comunitárias como uma matéria-prima para a produção do biodiesel também são solenemente ignoradas, além do descaso com que vem sendo tratados por parte do governo as propostas de liberação ampla, geral e irrestrita do uso de motores Diesel, criando-se quase que um "apartheid automotivo" onde poucos que podem gerar uma maior arrecadação de impostos (seja pelo alto custo inicial de um SUV ou uma caminhonete 0km, seja pelo consumo mais alto em um veículo de porte mais avantajado em comparação com um automóvel de dimensões mais modestas) conseguem o privilégio de ter um veículo com motor Diesel.

Tenta-se ainda desacreditar os biocombustíveis ao jogar para cima do setor agroindustrial uma "culpa" pelo eventual impacto resultante sobre o custo de gêneros alimentícios, ignorando que há a possibilidade de promover a rotação de cultura, e que algumas espécies podem servir adequadamente como matéria-prima tanto para a produção de biocombustíveis quanto alimentos ao mesmo tempo. Um bom exemplo é o etanol de milho, mais usado nos Estados Unidos e alvo de constantes críticas devido ao menor rendimento de galões de etanol para cada galão de óleo diesel investido na produção em comparação com a cana-de-açúcar, mas ainda assim rende uma boa quantidade de um "concentrado" rico em proteínas que pode ser usado na indústria alimentícia e também como ração animal, o DDG (Distillation-Dried Grain, grão seco por destilação). Para a pecuária, o DDG é uma boa alternativa por promover um ganho de peso mais rápido no gado devido à digestibilidade mais eficiente em comparação com o uso direto do grão de milho, visto que o gado não digere com tanta eficiência a maltodextrina (um "açúcar" do milho) que, ao fermentar por ação da flora intestinal dos animais, gera gás metano liberado na atmosfera durante a flatulência e a eructação.

Nota-se ainda uma verdadeira institucionalização ao desrespeito pelo produtor rural brasileiro, estendendo-se desde a falta de assistência técnica para o pequeno produtor interessado em melhorar a produtividade até a conivência governamental a grupos que promovem a violência no campo motivados pela impunidade. Convém salientar, também, que o setor fumageiro não vem sofrendo tantas restrições, talvez por ser outra "vaca leiteira" fiscal, enquanto quem destine uma parte da safra da cana, milho, ou soja, para a produção de biocombustível é taxado de "assassino" por alguns hipócritas de plantão. Manter a segurança energética de um país com dimensões continentais como o Brasil refém de interesses eleitoreiros é, portanto, um verdadeiro golpe contra o povo brasileiro.

terça-feira, 25 de março de 2014

Uma reflexão dieselhead sobre "renovação de frota"

Já faz algum tempo que eu vi essa Saveiro com cabine dupla adaptada e parte do bagageiro de um Monza, mas uma recente discussão acerca de um possível incremento na incidência de impostos sobre veículos antigos fez com que outra questão pudesse ser levantada, mais especificamente uma negra expectativa acerca de uma consequente redução na já ínfima quantidade de veículos leves regularizados para usar motor Diesel no Brasil...
Como se o cidadão brasileiro já não fosse espoliado por uma carga tributária que beira o obsceno, a ANFAVEA (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores), contando com informações privilegiadas sobre uma eventual revisão das alíquotas de IPVA que o governo federal estaria cogitando para 2017 em caso de reeleição, "sugeriu" que fossem alterados os modos de taxação para que veículos mais antigos fossem penalizados e, assim, as vendas dos 0km tivessem uma demanda artificialmente mais constante. Mas a bem da verdade, quem em sã consciência trocaria a simplicidade e eficiência de um motor Diesel como o 1.6L de injeção indireta da Volkswagen que, apesar de tecnicamente ultrapassado, possa proporcionar médias de consumo numa faixa de 16 a 21km/l entre cidade e estrada e fácil adaptabilidade a combustíveis alternativos por qualquer "popular" da atual geração de motores bicombustível que acabam por comprometer demasiadamente a eficiência tanto a operar com etanol quanto com gasolina? Vale destacar que mesmo o Renault Clio, um dos "populares" mais econômicos do mercado brasileiro, faz na melhor das hipóteses uns 17 km/l na estrada rodando com gasolina...
Vá lá, se pudesse ser usado algum turbodiesel como o 1.5dCi de 67cv que já equipou o Clio em outros mercados, até ficaria tentador. Ainda assim, deve-se lembrar que para muitos usuários o automóvel acaba por refletir preferências pessoais e um estilo de vida, portanto simplesmente querer prender num hatch compacto 0km quem aprecia uma caminhonete full-size antiga é uma grande contradição para muitos políticos que dizem ter lutado pela "liberdade" no enfrentamento ao Regime Militar...
Dá-se a entender que, além de restringir ainda mais o livre-mercado, parece que também há um desejo em diminuir ainda mais a já limitada disponibilidade de veículos com motor Diesel que o cidadão brasileiro possa obter legalmente, como uma pesada Ford F-1000 com cabine dupla artesanal.

Tentar simplesmente sobrepor interesses político-partidários sem levar em consideração a realidade operacional e também a liberdade de escolha do cidadão é um grave erro, que no caso da ANFAVEA pode até se tornar um tiro no pé. Afinal, para muitos proprietários de algum "velhinho" (independentemente de usar motor Diesel ou não) como um Gol BX, apegados ao custo inicial reduzido ou à maior simplicidade mecânica, caso fossem arbitrariamente obrigados a se desfazer de seus "sucatões" sem nenhum incentivo financeiro para a aquisição de um 0km como os créditos implementados no programa Cash for Clunkers americano, seria mais fácil migrar para uma moto (eventualmente com side-car para diminuir o impacto prático das menores capacidades de carga e/ou passageiros) por ser mais barata do que se endividar com um carnê mais grosso que qualquer livro que o sujeito tenha lido na vida...

Muito se fala sobre potenciais efeitos benéficos da "renovação de frota" no âmbito da eficiência energética da frota atualmente circulante no Brasil, mas se por um lado substituir um sedan de porte avantajado e idade mais avançada como o Daewoo Prince por algum "popular" aleatório surtiria algum efeito, há de se lembrar de outra ponta do iceberg onde se destacam subcompactos como o Daihatsu Mira (vendido durante a década de 90 no mercado brasileiro como Daihatsu Cuore) que, apesar de movidos a gasolina, conseguem regularmente médias de consumo de dar inveja a qualquer 1.0 nacional...

Gurgel Tocantins: apesar da tração apenas traseira, já enfrentava bem algumas condições de terreno mais severas, mas acabou prejudicado pela impossibilidade de contar com motor Diesel legalmente...
A meu ver, a forma como as discussões sobre "renovação de frota" vem sendo conduzidas no Brasil, aparentemente com um intuito mais de varrer para baixo do tapete alguns capítulos da história da indústria automobilística local já é um grave erro, e as vantagens que uma liberação do Diesel sem distinções por capacidade de carga, passageiros ou tração possa proporcionar tanto à eficiência geral da frota brasileira quanto à segurança energética não deveriam ser tão negligenciadas caso houvesse um interesse mais sério nesses tópicos...
Citroën AX: com o motor Diesel de 1.4L oferecido no exterior, e com muitos elementos internos compartilhados com o 1.4L de ignição por faísca disponibilizado tanto em versões só a gasolina quanto "flex" usadas em modelos nacionais da Peugeot e da Citroën, consegue médias de consumo numa faixa entre 28 e 33km/l em uso regular...

sábado, 15 de março de 2014

Rebatendo alguns argumentos anti-Diesel populares entre os entusiastas de híbridos com ignição por faísca

Nesses tempos em que confunde-se liberdade com libertinagem, e a tão aclamada "liberdade de expressão" está mais concentrada nas mãos de minorias ávidas por silenciar o direito de crítica alheio, o simples ato de defender a liberação do uso de motores Diesel em veículos leves é muito estigmatizado nessa republiqueta de bananas. Em meio a uma população alienada que diz amém à Rede Globo, à Petrobras e a qualquer vagabundo que alegue ter sido "torturado" durante o Regime Militar, garantir privilégios e a perpetuação de irregularidades parece ser a tônica predominante...

Entre os milhões de idiotas-úteis que se consideram "engajados", "politizados" e "revolucionários" mas na prática aceitam passivamente o crachá de otário, destaca-se o vasto grupo de simpatizantes dos automóveis híbridos, iludidos pela promessa de uma "performance ambiental" superior à dos motores do ciclo Diesel. O isolamento do mercado brasileiro favoreceu que a ignorância necessária para essa mentalidade ganhar espaço, e qualquer um que "ousar" apontar alguma incoerência nos discursos "ecologicamente-corretos" é perseguido por imbecis que eventualmente usem de um título acadêmico como pretexto para arrotar uma falsa "autoridade científica". Para quem acredita que um diploma universitário realmente dê alguma superioridade moral, vale destacar que muitos dos problemas políticos, econômicos e sociais que atualmente afligem o Brasil encontraram nas universidades um ambiente bastante propício para serem fomentados por uma legião de vagabundos ávidos por maconha e putaria...

Em oposição a um mercado realmente livre, ocorre um pesado intervencionismo estatal, mais em âmbito regulatório do que em termos de fomento ao progresso e desenvolvimento de tecnologia com capital nacional. É muito mais fácil ditar o que não se pode fazer do que proporcionar um ambiente adequado à busca por alternativas economicamente viáveis e que possam ser bem integradas em um contexto econômico, político e social, como seria uma eventual liberação do Diesel. É muito fácil enaltecer o terrorismo rural e depois jogar a culpa de todos os problemas para o agribusiness, enquanto o potencial da agroenergia no combate ao êxodo rural como alternativa de renda para o produtor de pequena escala (o que atualmente é citado em discursos politiqueiros como "agricultura familiar") é solenemente ignorado...

Enquanto o uso de óleos vegetais brutos que podem ser extraídos de espécies rústicas como a mamona em qualquer fundo de quintal vem sendo negligenciado, além dos impasses inibindo a venda do etanol de microdestilarias diretamente ao consumidor varejista, a possibilidade de uma eventual fabricação brasileira de alguns modelos híbridos de ignição por faísca, e respectiva adaptação dos motores para operar também com etanol, é enaltecida tanto por politiqueiros que vislumbram a possibilidade de assegurar uma teta quanto por leigos e pseudo-especialistas que não se dão conta de toda a jogada meramente arrecadatória por trás desse súbito interesse do governo brasileiro pelos híbridos. Um povo dependente da gasolina e do etanol, cujo mercado é controlado à mão de ferro pela ANP (Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis), é muito mais lucrativo como gado eleitoral do que se tivesse a liberdade de usar óleo de fritura saturado ou mesmo óleo de mamona virgem produzido no próprio quintal como combustíveis alternativos...

Em aspectos de "performance ambiental", sempre que alguma vantagem inerente ao Diesel é escancarada, os simpatizantes dos híbridos apelam para que "não se compare maçãs com laranjas", mas na prática quando tomam o Diesel como bode expiatório estão igualmente "comparando maçãs com laranjas". Nesse jogo de dois pesos e duas medidas, não é de se duvidar que tentem impor cotas mínimas para híbridos no mercado brasileiro, a exemplo do que a Califórnia tentou fazer com os elétricos a pouco mais de uma década. Pois bem, se tentam a qualquer custo desmerecer a superioridade técnica da ignição por compressão, não deveriam se opor a uma comparação de "performance ambiental" contra uma motocicleta com side-car...
Embora muito mais rústica, uma motocicleta de baixa cilindrada (como por exemplo uma Honda CG 125 Fan) equipada com side-car ainda alcança médias de consumo na ordem de 25 a 30km/l, enquanto um Toyota Prius dificilmente supera os 25km/l. Mas é muito mais conveniente se iludir de que está "salvando o planeta" a bordo de uma saboneteira de luxo com ar condicionado, bancos de couro e tantas gadgets quanto for possível, que no entanto depende de uma maior quantidade de matérias-primas e recursos energéticos para ser produzida do que o conjunto formado pela moto e pelo side-car, além de todos os componentes que venham a necessitar de substituição ao longo da vida útil operacional do veículo, e do impacto ambiental provocado pelas baterias tracionárias desde a produção até o descarte e eventual reciclagem.

Ainda há quem se iluda achando que o custo de manutenção de um motor Diesel seja caro demais, mas quem defende essa teoria parece ignorar toda a complexidade que velas, cabos de vela e bobinas de ignição acrescentam aos motores de ignição por faísca. Fora isso, os intervalos mais espaçados entre alguns procedimentos de manutenção fazem com que os custos de peças e insumos para um motor Diesel fiquem mais diluídos ao longo da vida útil operacional, que também é usualmente mais extensa, e para os parasitas governamentais de plantão quanto menos o cidadão estiver gastando é menos imposto a ser surrupiado. Ao considerarmos ainda as peculiaridades do sistema de tração elétrica incorporado aos híbridos, é aí que mora o perigo: além do perigo de tomar um choque, é um fator de risco a mais para incêncios, e a bateria libera vapores tóxicos quando superaquecida. O combate a incêndios e o resgate a vítimas em acidentes com automóveis híbridos e elétricos também são mais perigosos que o normal...

Por mais que os híbridos pareçam bons na teoria, e constantemente sejam alardeados como uma solução para o futuro, na prática se mostrariam mais adequados num mundinho cor-de-rosa que segue longe da nossa realidade...

terça-feira, 4 de março de 2014

Curiosidade: ignição de tubo quente

Durante épocas mais primordiais na evolução dos motores de combustão interna, antecedendo tanto a ignição por faísca quanto o que atualmente se conhece como ciclo Diesel (ignição por compressão), já reinou um sistema que pode ser até considerado uma espécie de intermediário entre ambos os sistemas atualmente consolidados: a ignição por tubo quente. Inicialmente, em função dos perfis de refino que priorizavam a obtenção de hidrocarbonetos pesados como o querosene, amplamente usado para iluminação antes que a luz elétrica se popularizasse, não era tão fácil vaporizar essas frações mais pesadas do petróleo num carburador, portanto se recorria à injeção mecânica, mas junto ao ar na fase de admissão. Um tubo de formato esférico (como o bulbo de uma lâmpada incandescente) embutido no cabeçote e que deveria ser previamente aquecido por intermédio de uma lamparina  por alguns minutos imediatamente antes da partida garantia o calor necessário para que o combustível fosse queimado, e a superfície metálica retinha calor da combustão inicial para que ocorresse a ignição nos ciclos de combustão subsequentes. A taxa de compressão numa faixa de 3:1 era irrisória mesmo diante dos motores de ignição por faísca que começaram a aparecer em 1902 com a introdução das primeiras velas de ignição "modernas" pela Bosch.

Não tolerava tão bem faixas de giro acima de 300 RPM, mas já se credenciava a substituir motores a vapor como a principal fonte de força motriz em aplicações estacionárias, agrícolas e náuticas. Para algumas aplicações onde uma faixa de rotações mais ampla e variável fosse desejada, como em automóveis, houve outro sistema com o uso de um tubo alongado, de comprimento entre 6 e 12 polegadas, feitos normalmente de metal ou cerâmica, com uma tampa metálica na face interna à câmara de combustão, que permitia alterar o posicionamento junto ao do elemento aquecedor (normalmente uma lamparina a querosene) de forma a variar o "avanço" da ignição de acordo com a faixa de rotação mas, tanto pela necessidade de um aquecimento mais prolongado quanto pela baixa durabilidade desses tubos logo sucumbiu à ignição por faísca, enquanto os motores que usavam o tubo de formato esférico chegaram a disputar mercado com os pioneiros do Diesel.

Convém destacar que uma injeção-piloto de algum combustível líquido não era necessária ao operar com combustíveis gasosos nesse tipo de motor, ao contrário do que ocorre no ciclo Diesel. Também apresentava resultados satisfatórios ao operar com combustíveis inusitados que iam de banha de porco pura até o creosoto, um óleo que pode ser obtido da combustão incompleta da madeira (nesse caso é conhecido também como "alcatrão vegetal") e do carvão mineral, muito conhecido pelas propriedades medicinais e aplicações na indústria alimentícia substituindo o processo tradicional de defumação na conservação de carnes, e dando o sabor característico ao conhaque de alcatrão São João da Barra.

Apesar da consolidação do óleo diesel como combustível mais usado nesse tipo de motor a partir da misteriosa morte do Dr. Rudolf Diesel em 1913, não é tão apurado se referir aos mesmos como "motores a (óleo) diesel", e uma rápida observação do layout predominante já é suficiente para evidenciar diferenças: para simplificar o processo produtivo, o mais comum era que os motores de ignição por tubo quente fossem 2-tempos, como em motocicletas e motosserras com motor de ignição por faísca, mas dispensava o compressor mecânico  (popularmente conhecido como "blower" ou "supercharger") essencial para gerar a pressão de admissão necessária a um motor Diesel 2-tempos como os conhecidos Detroit Diesel lançados em 1938.

Entre aplicações notáveis, um dos exemplos mais emblemáticos era o motor 2-tempos dos tratores alemães Lanz-Bulldog, cuja produção foi licenciada também à fábrica polonesa de tratores Ursus (que ainda segue em atividade mas hoje não faz mais motores de ignição por tubo quente, usando motores Diesel tradicionais), à francesa SNCAC (Société Nationale de Construction Aeronautic du Centre) e à estatal argentina I.A.M.E. (Industrias Aeronáuticas y Mecânicas del Estado), além de uma sucursal espanhola que seguiu produzindo o Bulldog até 1963, quando a John Deere, que havia incorporado a Lanz em 1956, acabou por sepultar a lendária marca que tanto contribuiu desde 1921 para a mecanização da agricultura alemã.

O vídeo abaixo, mais uma riqueza do YouTube, mostra como era dada a partida num Lanz-Bulldog, onde se pode notar o inusitado uso do volante e da coluna de direção para girar o volante do motor ao invés de recorrer a uma manivela como era mais usual...
Alguns tratores Lanz-Bulldog e Ursus com motor de ignição por tubo quente chegaram a operar comercialmente no Brasil até a década de 80, mas a consolidação dos motores Diesel no mercado e a falta de peças de reposição em um cenário de economia fechada e pesadas restrições à importação de componentes mecânicos contribuiu para a decadência dos mesmos, apesar dos esforços de alguns entusiastas em manter exemplares preservados em plenas condições operacionais.

Embora a partida a frio pudesse ser considerada um tanto trabalhosa, foi um sistema muito popular também nos países escandinavos, sendo a Suécia um reduto de fabricantes devotados a esses motores, como a Bolinder (detentora de 80% do mercado mundial de motores náuticos durante os anos 20, e incorporada pela Volvo em 1950) e a Pythagoras, que produziu motores com as marcas Fram para o mercado interno sueco e Drott mais voltada à exportação, entre 1908 e 1979, sendo portanto o último fabricante desse tipo de motor em escala comercial. Podendo funcionar por horas e até dias a fio logo após a partida, ainda era muito apreciado para uso em grupos geradores e embarcações. Vale destacar que ainda há até mesmo alguns barcos antigos ainda em operação com motores de ignição por tubo quente já centenários mantendo o motor original, o que acaba por atestar a confiabilidade desses hoje exóticos engenhos.

Vale recordar que antes mesmo do Dr. Rudolf Diesel concluir o primeiro protótipo do que hoje se conhece como "motor Diesel" em 1897, os britânicos Richard Hornsby e Herbert Akroid Stuart fizeram experiências com motores de ignição por tubo quente convertidos à ignição por compressão e injeção direta no ponto morto superior entre 1890 e 1893, mas desistiram por considerar o custo demasiadamente elevado e os recursos técnicos da época pouco confiáveis para garantir o nível de precisão adequado caso decidissem pela produção seriada do motor a óleo pesado que desenvolviam.

segunda-feira, 3 de março de 2014

Muito além do "Eurotrash"

Não é muito difícil se deparar com manifestações de um bairrismo que beira a irracionalidade em discussões acerca da superioridade de características predominantes em veículos de concepção mais americana ou européia. Enquanto o americano priorizou a ignição por faísca e uma maior quantidade de cilindros, além da opulência das barcas mais adequadas às highways com suas longas retas, o europeu tirava leite de pedra ao tentar aprimorar o handling em trechos mais travados tanto nos centros históricos com estreitas vielas quanto nas sinuosas estradas de montanha. Em função do custo dos combustíveis e eventuais cenários operacionais mais severos, o Diesel consolidou-se com mais força na Europa do pós-guerra.

O choque das crises do petróleo durante a década de 70 favoreceram a hegemonia dos fabricantes europeus na seara dos motores Diesel leves. Poucos lembram, mas enquanto a General Motors passou algum sufoco com os motores Oldsmobile Diesel introduzidos um tanto às pressas, a Ford recorreu à BMW para o fornecimento do motor de 6 cilindros em linha e 2.4L usados na Série 5 até a 1a metade da década de 90, e que na terra do Tio Sam foi oferecido como alternativa ao conhecido V8 Windsor de 302 polegadas cúbicas (cerca de 5.0L) que equipou, entre outros, o icônico Lincoln Town Car durante a década de 80. Hoje a Ford usa motores de origem Peugeot em quase todos os modelos disponíveis com alguma opção de motor Diesel, caso do motor de 4 cilindros e 2.2L usado nas versões básicas da Ranger, e um motor Renault de 1.5L que equipa o EcoSport de especificação argentina.

No caso da GM, vale lembrar que a proximidade com a Fiat possibilitou um acesso a motores mais modernos que os rústicos Isuzu anteriormente prevalentes nos modelos destinados aos mercados europeu, sul-americano e africano, e a participação acionária na VM Motori deu um impulso que faltava para enfrentar também a concorrência coreana que vem ajudando a renovar a imagem do Diesel em mercados como o filipino, até hoje um reduto da Isuzu...

Mencionar o sucesso de Mercedes-Benz e Volkswagen mesmo no exigente mercado americano seria chover no molhado, mas é outro bom exemplo de que a supremacia européia no campo do Diesel em veículos leves mostra que a imagem de "Eurotrash" não se sustenta...

sábado, 1 de março de 2014

Diesel x híbridos: uma reflexão sobre o custo/benefício

Um daqueles pontos polêmicos que tem fomentado a maior parte da resistência de parte do público brasileiro a uma liberação do Diesel em veículos leves, a questão dos híbridos acaba por levar a discussões intermináveis não apenas no aspecto ambiental, mas também na questão do custo/benefício que, na prática, é o que mais pesa para o consumidor na hora de escolher algum sistema que ofereça uma maior economia de combustível. Tanto um motor Diesel quanto um sistema híbrido, de fato, levam a um incremento no preço de aquisição, e no custo de alguns procedimentos de manutenção do veículo. Isso é inevitável. No entanto, por mais que o impacto seja proporcionalmente menor no caso do Diesel, a opinião pública ainda está muito condicionada à imagem de "sujo", apegada a preconceitos que remontam à época em que esses motores foram proibidos nos veículos leves, e nesse aspecto os marqueteiros fazem a festa...

A questão do incremento ao custo de manutenção, diminuição da economia de combustível e eventuais prejuízos à adaptabilidade a combustíveis alternativos são apontados como os principais efeitos colaterais da atual geração de dispositivos de controle de emissões associados aos motores Diesel nas aplicações veiculares, e cuja real eficácia já gera controvérsias mesmo entre dieselheads. São também constantemente alardeadas por partidários dos híbridos num tom quase apocalíptico, que parecem convenientemente ignorar a maior complexidade no sistema auxiliar de tração elétrica. Lidar com um circuito de alta tensão exige, principalmente, uma capacitação mais específica dos profissionais para que possam efetuar os serviços com a necessária segurança, e eventualmente algumas ferramentas especiais que não vão estar disponíveis em qualquer oficina boca-de-porco às margens de uma estrada num rincão mais isolado do interior...


Com relação ao mercado brasileiro, cujo maior volume de vendas está concentrado em hatches "populares" como o Ford Fiesta Rocam, seria mais fácil justificar um incremento na ordem de R$6.000,00 a R$7.000,00 (tomando por referência o que ocorre na África do Sul com o Ford Figo com os motores 1.4L a gasolina e 1.4TDCi) para substituir o motor Zetec Rocam 1.0 Flex pelo 1.4TDCi que já foi usado em versões de exportação do que uma média de R$21.000,00 que separa o Ford Fusion Titanium 2.0 EcoBoost do Titanium Hybrid (vale lembrar que, por ser feito no México, o Fusion já é beneficiado pela isenção do IPI que está sendo proposta para híbridos de outras procedências). Outro aspecto prático a ser destacado é pelos 122 litros sacrificados da capacidade do porta-malas pela bancada de baterias tracionárias, e nesse aspecto também a "banheira" teria um menor impacto. Ainda há a questão da amortização da diferença entre os preços iniciais, ponto batido à exaustão pelos que se opõem à liberação do Diesel mas que também acaba por afetar os híbridos: no caso do Fusion, com o híbrido fazendo uma média de 17km/l e o EcoBoost na faixa de 9km/l com a gasolina custando R$3,00 o litro, a diferença de preço entre as duas versões levaria cerca de 6 a 7 anos para ser rebatida, tomando por referência uma média de 20.000 km a ser percorrida anualmente.
Considerando que um bom motor turbodiesel adequado às necessidades e preferências do segmento em que o Fusion está inserido, poderia levar a um acréscimo numa faixa até R$16.000,00 ao preço inicial frente a um modelo de ignição por faísca comparativamente equipado, e obtendo médias de consumo de iguais ou até melhores que o Hybrid, lembrando também da possibilidade de usar biodiesel (e até algumas misturas com óleo vegetal bruto) a um custo menor que o do óleo diesel de baixo teor de enxofre (que já se aproxima perigosamente dos preços da gasolina em um posto próximo à minha residência), já reduz o tempo necessário para o retorno do investimento. Cabe salientar outro ponto bastante polêmico, relacionado à vida útil das baterias, estimada numa média de 8 a 12 anos, bem como o respectivo custo de substituição e a complexidade dos processos de reciclagem das baterias tracionárias de hidreto metálico de níquel e lítio-ferro-fosfato (LiFePo4) usadas na atual geração de carros híbridos em comparação com as chumbo-ácidas ainda usadas no sistema elétrico de veículos com sistema de tração convencional, e esse aspecto faz com que a depreciação média fique ainda mais acentuada. Enquanto isso, a boa reputação do Diesel no tocante à durabilidade faz com que retenham um melhor valor de revenda, como pode ser observado no caso de alguns Mercedes-Benz das décadas de '70 e '80 que em alguns casos chegam a custar quase o mesmo que modelos importados oficialmente durante a década de '90 com motor a gasolina...

Pode-se concluir que qualquer tentativa de impor os híbridos de ignição por faísca como uma suposta alternativa tão ou mais eficiente que um motor do ciclo Diesel em veículos leves esbarraria num custo inicial mais difícil de justificar, a ponto de levar muitos consumidores a partirem para uma moto com side-car em função do menor custo em comparação a um Fiat Uno que, se viesse a ser "hibridizado" e passasse a fazer a uma média em torno de 30km/l rodando na gasolina, chegaria custando preços comparáveis a modelos de segmento superior, com públicos-alvo diferenciados.