domingo, 21 de dezembro de 2014

Uma reflexão sobre o Diesel e perspectivas futuras

Apesar de terem vantagens práticas devidamente comprovadas, tanto para uso veicular quanto estacionário/industrial, motores do ciclo Diesel ainda enfrentam alguma resistência tanto por uma parte do público consumidor quanto por organizações governamentais e não-governamentais pelas mais diversas motivações, sobretudo em função de questionamentos acerca do impacto ambiental em comparação a um similar de ignição por faísca. O alto custo e complexidade que tem acompanhado os dispositivos de controle de emissões mais modernos, assim como alguns aperfeiçoamentos que começam a ganhar espaço em motores de ignição por faísca, chegam a fomentar até mesmo especulações em torno da viabilidade técnica do Diesel num futuro não muito distante...

Até mesmo a Europa, que permanece como o principal pólo de desenvolvimento e aperfeiçoamento dos motores Diesel, já começa a mostrar alguns cenários hostis, motivados principalmente por um viés falsamente ambientalista. Dentre os críticos mais ferrenhos, figura a atual prefeita de Paris, a socialista Anne Hidalgo, que já declarou um desejo de banir os carros com motor Diesel das ruas da capital francesa até 2020, embora tenha sinalizado com a possibilidade de abrir uma brecha para que "os pobres" ainda fossem permitidos a tê-los para um uso mais esporádico, apelando ao típico populismo barato da esquerda-caviar. Outra iniciativa anti-Diesel, dessa vez em Londres, é a proposta de duplicar o valor da "congestion charge" para veículos equipados com esse tipo de motor independentemente do ano de fabricação, como já acontece com veículos a gasolina não-híbridos com idade igual ou superior a 8 anos.

Pode-se afirmar categoricamente que tais medidas são, na prática, altamente questionáveis sob o ponto de vista ecológico: um motor Diesel emite, em média 20% menos gás carbônico (CO²) por quilômetro rodado em comparação a um similar com motor a gasolina de ignição por faísca, enquanto as emissões de óxidos de nitrogênio (NOx) que eram de fato um calcanhar-de-Aquiles vem alcançando níveis cada vez mais parelhos. Não se pode ignorar, ainda, que o ciclo Diesel permanece como uma plataforma facilmente adaptável a um amplo espectro de combustíveis alternativos, e o processo de combustão mais eficiente também leva a um consumo mais contido, reduzindo por extensão o impacto do etanol e do biodiesel na produção de gêneros alimentícios, bem como o saldo energético desde o cultivo e beneficiamento das matérias primas até os processos logísticos envolvidos na distribuição dos biocombustíveis ao consumidor final. Convém lembrar, ainda, que o domínio da tecnologia do Diesel tem servido como um forte argumento de vendas para alguns dos principais fabricantes de veículos de origem européia, como as alemãs Volksvagen e Mercedes-Benz, e da França o Grupo PSA Peugeot-Citroën, tanto nos mercados locais quanto para exportação. Há ainda um vínculo "cultural" de boa parte dos consumidores, a ponto de aproximadamente 80% da frota francesa usar motores Diesel, e a forte tradição agropastoril leva a uma grande aceitação do uso de combustíveis alternativos não apenas nas zonas rurais mas também em localidades mais urbanizadas.

Embora os motores Diesel habitualmente tenham alguns componentes internos superdimensionados, visando uma maior aptidão às elevadas pressões a que são submetidos, o menor desgaste que sofrem já leva a uma menor necessidade de intervenções mais complexas como uma retífica (total ou parcial) e reduz a demanda por peças de reposição, o que também concorre para um consumo mais contido de energia e matérias-primas, além de dispensar alguns componentes de difícil reciclabilidade como velas de ignição. Para quem não sabe (ou não se lembra), cada vela tem um isolador de porcelana, material que não costuma figurar entre os classificados como recicláveis. Na prática, as únicas grandes vantagens da ignição por faísca são a aptidão ao uso de combustíveis gasosos como o metano de origem fóssil (disponível comercialmente como gás natural veícular/gás natural comprimido ou gás natural liquefeito), o biogás/biometano e até o gás liquefeito de petróleo (GLP, popularmente conhecido como "gás de cozinha" e cujo emprego como combustível automotivo é atualmente proibido no Brasil) sem depender de uma injeção-piloto de algum combustível líquido que sofra a ignição por compressão, e uma maior tolerância a desligamentos e partidas frequentes como ocorre em modelos equipados com o sistema start-stop.

Entretanto, a ignição por faísca já vem reconquistando a confiança e o interesse até mesmo de segmentos que vinham estabelecendo o Diesel como padrão, até mesmo junto a forças militares. Um caso emblemático é o da tradicional fabricante de motores náuticos Evinrude, que fornece ao Departamento de Defesa dos Estados Unidos alguns motores de popa "multifuel" numa faixa entre 30 e 55hp para pequenas embarcações que, além de operar normalmente com gasolina, contam com um mapeamento de injeção e ignição direcionado ao uso de combustíveis pesados, com mais ênfase ao querosene embora também seja homologado para um uso eventual/emergencial de óleo diesel convencional. A injeção direta, amplamente usada junto ao ciclo Diesel desde os primórdios, tem uma grande importância nesse processo, visto que permite o uso de taxas de compressão mais elevadas minimizando a ocorrência da pré-ignição ("batida de pino" como se diz no Brasil ou "grilos" em Portugal) ao utilizar gasolina e, no caso dos motores Evinrude, baseados num ciclo 2-tempos, elimina-se a necessidade de um supercharger (compressor mecânico, popularmente conhecido por "blower"), elemento imprescindível a um Diesel 2-tempos autêntico como alguns Detroit Diesel antigos.

Devido à complexidade logística em campo de batalha, fazendo com que cada galão de combustível utilizado pelas forças armadas americanas tenha um custo final de 400 dólares para o Departamento de Defesa, não é incomum que prevaleça o uso do querosene de aviação tanto em veículos terrestres e aquáticos quanto aéreos numa operação militar, contando ainda com a vantagem do menor ponto de congelamento em comparação ao óleo diesel convencional, embora uma maior aceitação do uso de biodiesel e do chamado "Diesel verde" na aviação civil leva a entender que o meio militar possa seguir um rumo semelhante. Alguns fornecedores tradicionais, como a fabricante de turbinas Pratt & Whitney, já fazem um importante trabalho em prol da homologação para uso aeronáutico tanto do óleo diesel convencional quanto de substitutivos de origem renovável como o biodiesel, visando não apenas uma redução dos custos operacionais mas também valer-se da economia de escala ao se adotar um combustível comum a outras aplicações e que se encontra num estágio relativamente avançado da pesquisa e desenvolvimento.

Mesmo com toda a dificuldade técnica atribuída a sistemas de pós-tratamento de emissões como os filtros de material particulado (DPF) e redução catalítica seletiva (SCR, destinado a controlar os níveis de NOx por meio de uma reação química entre os gases de escape e um fluido aquoso com 32,5% de uréia industrial disponível comercialmente com denominações diversas como ARLA-32, ARNOx-32, AdBlue e Diesel Exhaust Fluid - DEF) que já se proliferam até na indústria naval por exigência de algumas autoridades portuárias que cobram sobretaxas para permitir o atracamento de navios considerados "poluidores", esse é outro setor que não dispensa o Diesel. A maior aptidão à severidade do ambiente marinho faz com que permaneça como a principal opção para operações profissionais, desde pequenos barcos de pesca até os grandes navios conteneiros, passando também por embarcações militares e de serviços especiais como as "ambulanchas" usadas em algumas localidades da Amazônia. Tem ocorrido ainda um crescimento no interesse pela integração em navios cargueiros entre o ciclo Diesel e o gás natural liquefeito (GNL), que quando associados promovem uma redução considerável nas emissões em comparação ao uso de óleo cru (HCO - heavy crude oil) puro, mas não se vislumbra uma substituição total pelo gás em motores a pistão.

Muitas especulações são feitas, e interesses escusos são levados à mesa em tentativas de se desacreditar o Diesel, que no entanto resiste e ainda é apresentável como uma proposta adequada a atender não apenas às necessidades atuais do consumidor nos principais mercados internacionais mas também como uma opção tecnicamente viável para atender às necessidades brasileiras. As restrições ao uso do Diesel em veículos leves em função da capacidade de carga, passageiros ou tração já fizeram com que se perdesse muito tempo, e oportunidades de fortalecer a imagem do Brasil como uma referência mundial no setor da agroenergia foram desperdiçadas. Ainda é possível rever alguns erros e correr atrás do tempo perdido, e os motores do ciclo Diesel ainda tem um importante espaço nesse contexto.

sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

Manejo da glicerina: questão de prioridades

Em uma breve conversa que eu tive recentemente com um funcionário de uma das empresas que fazem a coleta seletiva de óleos de cozinha usado em bares e restaurantes de Porto Alegre, destinando-o para a produção de biodiesel, para total surpresa do meu interlocutor eu levantei a possibilidade do uso direto do óleo como combustível veicular imediatamente após o processo de decantação e filtragem ao qual é submetido. De fato, o biodiesel acabou ficando mais consolidado no imaginário popular como o principal, senão único, combustível alternativo apto a substituir integral ou parcialmente o óleo diesel convencional derivado de petróleo, mas existem outras opções que podem ser tão ou mais adequadas ao contexto de diferentes cenários operacionais.

Enquanto a produção de biodiesel pode ser mais justificado em escala industrial numa grande usina, podendo ter na comercialização da glicerina residual para outras aplicações industriais diversas uma oportunidade de amortizar não apenas os gastos com energia e insumos aplicados ao processo mas também o custo de aquisição e manutenção de equipamentos, numa escala menor pode ser mais viável nem se preocupar com a extração e eventuais reaproveitamentos da glicerina naturalmente prsente nos óleos vegetais e gorduras de origem animal. Embora possa ter um amplo espectro de possíveis usos, desde a aplicação como aditivo umectante para fins culinários até mesmo na formulação de produtos mais perigosos como venenos e explosivos, é adequado levar em consideração a disponibilidade de potenciais consumidores para a glicerina em âmbito regional ou as condições para que a logística de distribuição do produto para outras localidades seja feita de forma segura (afinal todo produto químico tem algum grau de risco, incluindo contaminações ambientais qu possam trazer prejuízos incalculáveis à agricultura e pecuária) e economicamente viável.

Também pode ser considerado mais prático para muitos operadores que consumam regularmente quantidades mais modestas de óleo combustível adaptar o veículo (ou equipamento estacionário) equipado com motor Diesel uma única vez para que possa operar com a devida segurança e eficiência usando óleos vegetais diretamente como combustível, ao invés de ter que repetir constantemente as transformações químicas necessárias para garantir um biodiesel de boa qualidade. Nos casos em que não há alguns dispositivos de controle de emissões cada vez mais comuns em motores Diesel modernos que possam sofrer danos resultantes da presença da glicerina e produtos resultantes da combustão da mesma, sobretudo filtros de material particulado (DPF), não tem preço de mercado para a glicerina que pague a tranquilidade proporcionada pela possibilidade de se usar um combustível mais barato e facilmente disponível em situações emergenciais...

quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

Alarme falso: suposto Golf TDI em Porto Alegre

Ontem pela manhã, avistei nas proximidades do Parque Moinhos de Vento, o famoso "Parcão" de Porto Alegre, um Volkswagen Golf Mk.7 com placas nacionais (ocultada por motivo de segurança) e o logotipo TDI, denotando que poderia se tratar de uma versão equipada com motor turbodiesel. No entanto, após uma apuração, veio a conclusão de que não se trata, efetivamente, de um autêntico TDI, mas de um TSI com motor de ignição por faísca e injeção direta movido a gasolina. Pode-se observar, no detalhe, que logo abaixo do logotipo TDI aparece outro com os dizeres "BlueMotion Technology", e na linha Volkswagen BlueMotion as versões TDI sempre tem o I na cor prateada como os demais caracteres ou azul, enquanto no Golf avistado ontem estava em vermelho. Sabe-se lá quais foram os motivos que levaram o proprietário a fazer essa alteração no logotipo, se foi apenas para tirar onda, eventualmente protestar contra as restrições ao uso de motores Diesel em veículos leves no mercado brasileiro, ou até esteja se valendoda injeção direta para fazer experiências com uma eventual integração entre o uso de combustíveis pesados e a ignição por faísca a exemplo do que já é aplicado a alguns motores de popa Evinrude de especificação militar. De qualquer forma, pode-se no mínimo deduzir que se trate de uma pessoa suficientemente esclarecida a respeito da superioridade técnica do ciclo Diesel...

terça-feira, 2 de dezembro de 2014

[Polêmica] Será que a Ford foi longe demais com o downsizing na Série F?

Que o relançamento da Série F foi um dos fatos mais marcantes do mercado brasileiro de veículos utilitários para o ano de 2014 já não resta dúvida, mas o motor escolhido pela Ford para equipar os modelos F-350 (foto acima, já da versão atual) e F-4000 segue gerando debates acalorados. Quanto às normas de emissões nem há tanto o que discutir, a opção da Ford pelo SCR não é muito questionada, e o motor ainda é um Cummins de 4 cilindros, mas a adoção do ISF2.8 foi um choque, tanto pela pequena cilindrada quanto pelo regime de rotação mais elevado que o antigo B3.9 ou o ISBe4.5 hoje usado em alguns modelos da linha Cargo.

O maior motivo para descontentamento com a nova motorização da Série F, apesar no aumento de 25% de potência em comparação às versões Euro-3, é a queda de 14,3% no torque. Enquanto o B3.9 desenvolvia 120cv de potência e 420Nm de torque, o ISF2.8 entrega valores de 150cv e 360Nm. Entretanto, foi a opção considerada mais viável para minimizar o impacto do upgrade para as normas Euro-5 sobre o preço de aquisição dos veículos. Para tentar apaziguar os críticos, pode-se atentar que o desempenho não depende exclusivamente do motor, e relações de transmissão corretamente escalonadas são fundamentais para proporcionar respostas adequadas. No caso, a combinação entre o efeito multiplicador do torque com uma relação final mais reduzida e os regimes de rotação mais elevados no motor novo acabam de certa forma se contrabalançando, de modo que a dirigibilidade não fica tão distante do que operadores estariam habituados pela combinação do motor antigo a uma relação mais longa. Trocando em miúdos, a relação indica quantas rotações do motor seriam convertidas em uma rotação do eixo de saída do câmbio, ou quantas deste resultariam num giro do diferencial (e por conseguinte das rodas).
Convém recordar que, ao contrário do que ocorre nos Estados Unidos, um motor turbodiesel numa caminhonete full-size direcionada ao uso profissional é normalmente visto no Brasil como uma necessidade, e portanto um motor mais em conta se mostra necessário para alcançar uma parte do público que não poderia (ou simplesmente não quereria) pagar por um motor mais opulento como o PowerStroke V8 de 6.7L que nos equivalentes americanos da F-350 e da F-4000 é oferecido como um artigo de luxo.

O público-alvo figura entre os mais conservadores de todo o mercado, e vê na cabine convencional "bicuda" uma vantagem em função do maior conforto proporcionado pela altura de embarque e desembarque mais baixa, bem como a posição de dirigir mais "car-like", e também costuma apreciar a maior aptidão à operação em uma maior variedade de condições de terreno (importante frisar que a F-4000 é atualmente o único modelo da categoria a oferecer uma versão 4X4 de fábrica para o mercado brasileiro), num contraponto à maioria dos caminhões de cabine avançada (popularmente conhecidos como "cara-chata") em faixas próximas de peso bruto total, mais direcionados a aplicações em ambiente urbano.
Cabe salientar, ainda, que vem ocorrendo uma maior aceitação de motores de alta rotação nos caminhões leves e semileves, tomando por exemplo a versão brasileira do Hyundai HD-78 equipada com um FPT-Iveco de 3 litros e o JAC T-140 usando o mesmo Cummins ISF2.8 que tem causado tanta discórdia entre proprietários e fãs da Série F, ainda que num rating de potência e torque mais modesto e com EGR ao invés do SCR.

Há ainda outros precedentes que podem ter influenciado a Ford na tomada da decisão de equipar a Série F com um motor de 2.8L: uma infinidade de caminhões chineses, notadamente "inspirados" pelo Isuzu NPR (ou GMC 7-110 como foi conhecido no mercado brasileiro) que se enquadra numa faixa de PBT semelhante à da F-4000, já vem utilizando cópias do motor Isuzu 4JB1-TC, um turbodiesel de alta rotação com 4 cilindros e 2.8L, e no Brasil tiveram algum destaque os utilitários de 6 toneladas da Agrale como o Furgovan 6000, equipado com o mesmo motor MWM Sprint 6.07TCA mais conhecido pela aplicação nas caminhonetes Chevrolet S-10 e Blazer.

É natural que um motor com uma cilindrada mais modesta e alta rotação seja percebido por uma parcela mais conservadora do público consumidor como algo mais associado a utilitários europeus e asiáticos que com toda a "americanidade" da Série F, mas uma reflexão mais ponderada dá a entender que a Ford não foi longe demais com o downsizing, atendendo bem à realidade regional não só do Brasil mas também de países vizinhos como a Argentina (onde a F-4000 também é oferecida) e o Uruguai.

quinta-feira, 27 de novembro de 2014

Breve reflexão sobre a volta da Cide

Um imposto que incidia até 2008 sobre a gasolina e o óleo diesel, com alíquotas de R$0,28 por litro para a primeira e R$0,07 para o segundo à época que deixou de ser cobrado, a Contribuição por Incidência de Domínio Econômico faz parte de um pacote de medidas apresentado pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, à presidente Estela Vanda Patrícia Dilma Roussef para tentar conter o déficit público antes mesmo que se inicie o próximo mandato em 2015, visto que o Congresso não autorizou um descumprimento da meta fiscal para o ano de 2014. Tal medida veio acompanhada, ainda, de um plano para arrochar o seguro-desemprego, os abonos salariais PIS/PASEP e as pensões pós-morte.

A carga tributária brasileira já pode ser considerada obscena, principalmente diante de todos os escândalos de corrupção que esvaziam os cofres públicos e do retorno que o contribuinte tem ao pagar imposto sueco por um serviço africano. No caso da Cide, o governo ainda tenta jogar a bomba no colo do setor sucroalcooleiro ao alegar que seria uma "reivindicação" do setor para manter a competitividade do etanol diante da gasolina, quando na verdade uma redução de impostos para a cadeia produtiva do biocombustível faria muito mais sentido. Para quem insiste que haveria alguma vantagem competitiva para o etanol caso a Cide volte a incidir sobre os combustíveis fósseis, vale lembrar que o processo logístico para distribuição do etanol por todo o país ainda é muito dependente do óleo diesel, e portanto ainda teria um peso considerável nos índices de inflação. Há que se considerar ainda o aumento nos custos operacionais na produção e transporte da cana-de-açúcar da lavoura à usina, também ainda muito dependentes do óleo diesel apesar de algumas aplicações do próprio etanol tanto em maquinário agrícola quanto em caminhões canavieiros.

Cabe destacar que a produção comercial de biocombustíveis no Brasil ainda é oligopolizada, de modo a assegurar ao governo um controle rígido sobretudo em âmbito fiscal. Há ainda as esdrúxulas regulamentações da ANP (Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis) impedindo a comercialização do biodiesel puro (B100) e do etanol de microdestilarias a varejo, ou de óleos vegetais na bomba para uso direto como combustível, além de empecilhos em âmbito administrativo para cidadãos que tentem regularizar a adaptação de veículos leves com um motor do ciclo Diesel para operar com algum substitutivo do óleo diesel convencional. Nesse contexto, a volta da Cide pode ser vista como mais uma imposição da mão de ferro do governo visando manter o cidadão cada vez mais refém da incompetência da atual administração pública, não apenas no tocante à segurança energética.

sábado, 22 de novembro de 2014

Biodiesel ou óleo vegetal natural?

Um dos maiores dilemas encontrados pelos adeptos do uso de combustíveis alternativos, a preferência pelo biodiesel ou por óleos vegetais naturais desperta discussões acaloradas diante das vantagens e eventuais desvantagens apresentadas por cada um desses biocombustíveis. Seja por razões de ordem técnica ou motivações políticas, o tema sempre traz à tona polêmicas em torno do gasto de energia destinado ao processamento das matérias-primas e adaptabilidade aos diferentes sistemas de injeção e gerenciamento usados em motores Diesel não apenas em aplicações veiculares mas também estacionárias, industriais e em maquinário agrícola. O maior problema é, sobretudo, político, visto que as vantagens práticas apresentadas tanto pelo biodiesel quanto pelo óleo vegetal são ofuscadas pela incompetência instaurada na administração pública.

Nota-se uma marginalização mais intensa do uso direto de óleos vegetais como combustível, ao passo que o biodiesel é até certo ponto mais tolerado tanto pelos sheikhs do petróleo quanto pelos burocratas da Petrobras e da ANP (Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis). Cabe ainda traçar um paralelo com a questão da gasolina e do etanol, visto que hoje é obrigatória a mistura de uma pequena proporção de biodiesel ao óleo diesel convencional a exemplo do que já se fazia há décadas com o etanol anidro adicionado à gasolina, mas enquanto o consumidor ainda pode encontrar etanol hidratado nos postos não há a oferta de biodiesel puro (B100) diretamente ao consumidor varejista. Nesse aspecto, porém, o óleo vegetal leva alguma vantagem ao estar facilmente disponível devido a outras aplicações, não apenas alimentícias mas também na indústria química geral. Na hora do aperto, quem tem um veículo apto ao uso de óleo vegetal puro não fica tão empenhado, pode ir no Makro comprar um latão de 18 litros de óleo de soja e seguir viagem...

Sob o ponto de vista da segurança energética, um combustível que pode ser provido com maior rapidez seria a opção mais acertada, pesando favoravelmente ao óleo vegetal. Fica mais fácil também prover uma descentralização da produção, permitindo o uso de matérias-primas mais adequadas às diversas realidades regionais encontradas no país, além de tornar o processo logístico mais simples e eficiente. No entanto, tem prevalecido a nível mundial o biodiesel, alegadamente em função da maior fluidez e compatibilidade com processos de combustão a temperaturas menos elevadas nos motores de concepção mais recente. A produção pode ser descentralizada, mas não com a mesma facilidade encontrada no uso direto de óleo vegetal natural devido à dependência de insumos necessários à conversão química do óleo em biodiesel. Ainda assim, a atual geração de dispositivos de controle de emissões adotada principalmente em aplicações veiculares impõe um maior desafio, sobretudo em função da vaporização de porções residuais de combustível necessárias para o processo de "regeneração" do filtro de material particulado (DPF) presente em alguns motores homologados nas normas Euro-4 e em quase todos os Euro-5 quando não é usado um injetor específico para fazer a dosagem diretamente na carcaça do filtro.

Entre os defensores do uso direto de óleos vegetais, os principais argumentos são uma disponibilidade mais imediata do combustível alternativo e um processo de produção muito mais simples e que demanda uma menor quantidade de insumos e gasta menos energia, tornando-o mais barato. No entanto, é uma opção mais facilmente aplicável a motores de concepção antiga, apresentando uma maior resiliência a alterações na qualidade dos combustíveis. A presença da glicerina natural no óleo dá margem a muita discórdia, em função de alguma dificuldade que apresenta ao processo de combustão e formação de resíduos que possam se acumular dentro do motor e comprometer também a durabilidade do óleo lubrificante, além de dar origem às acroleínas, formadas quando óleos vegetais são submetidos a altas temperaturas e são alegadamente cancerígenas. É usual pré-aquecer o óleo vegetal até cerca de 70 a 80 graus centígrados antes de ser injetado, podendo ser aplicado tanto aquecimento elétrico quanto por meio de um trocador de calor ligado ao sistema de refrigeração ou ao escapamento, tendo como principal objetivo diminuir a viscosidade e aumentar a fluidez, um ponto ainda mais crítico em sistemas de injeção direta a alta pressão adotados nos motores modernos.

Motores de injeção indireta, cada vez mais relegados à obsolescência nos principais mercados mundiais por serem considerados menos aptos a atender às regulamentações de emissões cada vez mais rígidas, ainda são considerados mais adequados ao uso de óleo vegetal como combustível devido ao processo de combustão em dois estágios iniciado numa pré-câmara, proporcionando uma queima mais completa e portanto incidindo a uma menor formação de resíduos, apresentando também um incremento no desempenho e na economia de combustível em comparação ao uso de óleo diesel convencional, ao passo que o biodiesel normalmente tem um consumo ligeiramente maior. Além do custo de produção dos combustíveis, pesa também o custo de produção dos motores de injeção indireta. Devido às menores pressões internas encontradas nesses motores, é possível adotar componentes internos menos superdimensionados e portanto mais baratos, viabilizando também uma maior intercambialidade de tais peças com o que é usado em motores de ignição por faísca, amortizando mais rapidamente o custo de desenvolvimento, além dos sistemas de injeção com pressões operacionais mais baixas terem custo e complexidade menores.

Um caso interessante é o da Caterpillar, que na África do Sul mantém a garantia de fábrica dos motores estacionários/industriais e de maquinário pesado quando se usa óleo de girassol como combustível, tanto puro quanto misturado ao óleo diesel convencional em diferentes proporções. Também chama atenção a estratégia adotada pela Scania que, além da experiência com o etanol e o gás natural, disponibiliza motores homologados para uso de biodiesel puro não apenas para aplicações fora-de-estrada (estacionárias/industriais, maquinário agrícola e de construção, náutico, entre outras) mas também para a linha de veículos. A maioria dos fabricantes atualmente tem feito grande oposição ao uso de óleos vegetais na atual geração de motores Diesel e até impondo limites ao uso de biodiesel (geralmente limitando a misturas até 20%, o chamado B20) em veículos equipados com filtro de material particulado, praticamente pondo a perder todo o desenvolvimento alcançado por países como a Alemanha no uso não apenas do biodiesel mas também do óleo de colza como combustíveis veiculares. Cabe salientar, ainda, que há quem defenda a tese de que qualquer motor Diesel pode rodar com até 20% de óleo vegetal natural sem problemas, e melhorando tanto o desempenho quanto a economia de combustível mesmo em motores de injeção direta.

A bem da verdade, nada impede a compatibilidade de óleos vegetais com a injeção direta, e vale tomar como referência o caso do motor semi-adiabático alemão Elko Multifuel, apresentado no Salão de Detroit em '83 e que chegou a ser testado no Brasil e teve alguns exemplares pré-série produzidos pelo Grupo Garavelo, que cogitava comercializar uma versão de 3 cilindros e 1.4L a partir de '89 mas o plano nunca saiu do papel. Além de ter sido o primeiro motor Diesel automotivo leve com injeção direta, tinha como apelo a aptidão ao uso de óleos vegetais e gorduras animais ou qualquer outro combustível líquido conhecido. A empresa Elsbett, responsável pelo projeto do motor Elko Multifuel, ainda hoje produz e comercializa kits para a conversão de motores Diesel de todos os tipos para o uso de óleos vegetais como combustível, embora recomende para a maioria dos motores de injeção direta o uso de um sistema com 2 tanques, sendo um para óleo diesel convencional ou biodiesel destinado à partida a frio e à "última milha" antes do motor ser desligado e outro para o óleo vegetal.

Não há motivos para se incitar uma rivalidade entre usuários do biodiesel ou de óleo vegetal natural, mas enquanto o primeiro vem sendo mais favorecido (ou menos desfavorecido???) em âmbito político por motivos pouco claros o segundo acaba um tanto preterido, talvez por desinformação do público consumidor em potencial. Antes de tomar decisões precipitadas e baseadas em achismos, comodismos e outros "ismos", convém avaliar sempre a melhor opção para cada aplicação, bem como a disponibilidade de insumos e uma eventual aplicação para a glicerina residual da transesterificação do óleo quando convertido em biodiesel.

quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Uma reflexão crítica sobre o ProÁlcool e as raízes da restrição ao Diesel

Vem ocorrendo uma série de tentativas de desconstruir a imagem do etanol, e menosprezar o potencial desse combustível que de fato permitiu ao Brasil reduzir a dependência pelo petróleo. Há quem o classifique como antagônico ao Diesel, o que na prática se mostra não muito além de uma meia-verdade ao lembrarmos que pode ser usado não apenas como substitutivo ao óleo diesel convencional mas também associado a este ou a outros substitutivos. Não é incomum ouvir dizerem que as restrições ao Diesel foram fundamentais para que se criasse um "protecionismo" em torno do etanol, mas a percepção de que esse seria o combustível mais adequado para atender às necessidades da maior parte da frota circulante à época acabou impulsionando tal decisão. Caso a frota brasileira tivesse uma presença mais acentuada do Diesel, certamente o direcionamento de um programa de combustíveis alternativos seria outro, a exemplo do que ocorreu na Alemanha com a regulamentação do óleo de colza como combustível veicular.

Se em '76, quando instituiu-se a proibição à comercialização de automóveis movidos a óleo diesel no Brasil, a injeção direta já era uma realidade consolidada entre os veículos pesados, maquinário agrícola e equipamentos estacionários/industriais, só passou a ganhar escala comercial nos veículos leves a partir de '86, com o motor Turbo D i.d. oferecido no Fiat Croma. Vale frisar que a injeção direta é essencial para que motores do ciclo Diesel possam operar usando etanol como combustível. De qualquer forma, o uso direto de óleos vegetais brutos soa como uma opção lógica para ser aplicada aos motores Diesel, mas como a maioria dos óleos disponíveis comercialmente (incluindo os destinados ao uso alimentício) ainda é extraído com o uso de solventes ao invés da prensagem a frio fica mais difícil proceder a degomagem e a deceragem necessárias para proporcionar uma combustão mais completa e diminuir a formação de resíduos que pudessem vir a acarretar danos ao motor.

Abordar qualquer tema referente ao Regime Militar de '64 a '85 (também citado como "Quinta República" por algumas fontes, e usualmente rotulado como "ditadura") no Brasil sempre dá margem a polêmicas, e não seria diferente com relação às estratégias adotadas para o enfrentamento das Crises do Petróleo durante a década de '70. Se hoje o álcool etílico carburante, ou "etanol" como vem sendo mencionado de forma mais enfática desde fins de 2011, é reconhecido a nível mundial como um dos combustíveis alternativos de maior viabilidade econômica, isso se deve principalmente ao patriotismo de homens honrados como o general Emílio Garrastazu Médici, o professor Urbano Ernesto Stumpf, e muitos outros que tiveram a coragem para dar o pontapé inicial. Não se pode esquecer, porém, que foi durante o governo do general Ernesto Geisel, que se instituiu a proibição à comercialização de veículos leves movidos a óleo diesel no Brasil, pelas mãos do então ministro de Indústria e Comércio, o civil Severo Fagundes Gomes...

Tal medida, à época, parecia não ter um impacto tão significativo sobre o mercado de veículos novos no país, então dominado por uma Volkswagen ainda dependente do motor boxer refrigerado a ar movido a gasolina que equipava não apenas Fusca e Kombi mas também Brasília, SP2, TL e Variant, facilmente adaptável ao uso do etanol (embora pudesse operar normalmente com o álcool sem alterações em caráter temporário/emergencial, apesar da instabilidade prolongada da marcha-lenta durante a fase fria), além dos motores Diesel da época não oferecerem uma relação peso/potência tão adequada ao uso nesses modelos, e terem um custo de aquisição mais elevado que o de um similar com ignição por faísca como ainda ocorre, embora pouco tempo depois a proibição tenha se mostrado inoportuna ao manter o Brasil alijado da rápida evolução técnica que o ciclo Diesel havia passado a apresentar.

No auge da euforia em torno do ProÁlcool, chegou-se a apresentar o etanol como uma alternativa apta também às demandas do transporte pesado e da atividade agropecuária, tanto associado à ignição por faísca em motores Mercedes-Benz, Chevrolet e Dodge usados não apenas em caminhões (principalmente nos "canavieiros") e ônibus mas também em alguns tratores no caso do motor Dodge quanto no ciclo Diesel mediante o uso de aditivo promotor de ignição em motores Mercedes-Benz e Scania ou associado à injeção-piloto de óleo diesel convencional como nos motores MWM 229 PID, mas o maior poder calorífico do óleo diesel era difícil de ser batido por um hidrocarboneto leve. Pode-se considerar, portanto, que houve um comodismo diante do etanol, e tal fator acabou pesando na decisão de se restringir o uso do Diesel.

Ao mesmo tempo que o consumidor não se dava conta da evolução dos motores Diesel leves, os fabricantes instalados localmente ainda acabaram inseridos nesse progresso durante a década de '80 em função da demanda externa, caso da Volkswagen que oferecia no Passat LDE o mesmo motor EA-827 1.6D usado localmente na Kombi Diesel e na Saveiro, da Chevrolet com versões de Chevette, Monza e Kadett equipados com motores Isuzu 4FB1 de 1.8L, 4FC1 de 2.0L e 4EC1 de 1.5L para atender principalmente aos mercados argentino e uruguaio, e da Fiat com o 147 (incluindo a Panorama) e os utilitários compactos Fiorino exportados até para o exigente mercado europeu com o motor Super Diesel de 1.3L e 45cv. À época, Volkswagen e Fiat chegaram a participar ativamente de testes visando a validação de óleos combustíveis de origem vegetal, tendo a primeira pesquisado o uso dos óleos de amendoim e soja enquanto a segunda deu mais atenção à mamona.

Cabe salientar que o motor Fiat de 1.3L permaneceu em produção até 2003 para atender não apenas a aplicações automotivas (que à época se resumiam a algumas versões do Fiat Palio destinadas ao Uruguai e ao Fiat Uno montado nas Filipinas a partir de kits CKD poloneses) como também estacionárias/industriais (mais notadamente grupos geradores) e pequenas embarcações, onde a maior suavidade, desempenho superior e relação peso/potência mais favorável em comparação ao que alguns líderes de mercado (Yanmar e Agrale) ainda oferecem na mesma faixa de cilindrada para atender a tais segmentos era particularmente apreciada em uso doméstico ou náutico recreacional, ao passo que as versões de 1.7L (naturalmente aspirado de 59cv e turbo de 70cv) que chegaram a ser usadas em testes de validação de óleos vegetais naturais como combustível veicular num projeto conduzido pela Fiat em parceria com o Inmetro entre 2007 e 2008 permaneceram até 2011 quando foram substituídas em definitivo pelo Multijet de 1.3L (sempre com turbo, em versões de 75 ou 90cv).

De fato, em função da imposição de restrições ao uso de óleo diesel em veículos leves, foram perdidas algumas oportunidades para consolidar ainda mais a posição de liderança do Brasil no campo dos biocombustíveis, visto que hoje a Malásia é líder mundial na produção de biodiesel mesmo tendo desenvolvido a infra-estrutura necessária para produção e distribuição algum tempo depois da experiência brasileira com o etanol estar consolidada, motivada por experiências com o azeite de dendê (ou "óleo de palma" como é mais conhecido no exterior) a partir da década de '80 tendo usado como mula de testes até alguns motores Elko Multifuel (o mesmo que foi apresentado no Salão de Detroit em '83, e cujos direitos de produção e comercialização no Brasil foram adquiridos pelo extinto Grupo Garavelo em '85).

O sistema de injeção direta do tipo common-rail gerenciado eletronicamente, predominante na atual geração de motores Diesel, pode ser considerado oportuno numa busca por recuperar o mercado brasileiro dos efeitos do distanciamento tecnológico  já permite uma adequada integração entre diferentes combustíveis de modo a reduzir o eventual impacto que uma crise no fornecimento de algum deles possa comprometer a operacionalidade não apenas de veículos utilitários/comerciais mas também de automóveis particulares, caracterizando portanto como obsoleta a manutenção das restrições ao uso de motores Diesel em função das capacidades de carga, passageiros ou tração.

segunda-feira, 10 de novembro de 2014

Refletindo sobre ironias brasileiras: "Diesel é para trabalho"

Não é incomum ouvir "argumentos" imprecisos por parte de alguns que se dizem contrários a uma liberação do Diesel para veículos leves, ou mesmo de acomodados que se digam "neutros", e um dos mais recorrentes é de que motores Diesel seriam mais adequados a um veículo "de trabalho". Pois bem, parecem se esquecer da grande quantidade de veículos com capacidade de carga inferior a uma tonelada e que ainda assim são efetivamente destinados a aplicações profissionais.

Diversos motivos podem levar à preferência de alguns operadores por um utilitário mais compacto para atender a alguma aplicação específica, ou por ser mais adequado às condições operacionais de alguma região (trânsito mais denso, dificuldade em encontrar espaços amplos para estacionar, e por aí vai) mas, devido a uma definição extremamente arbitrária e imprecisa acerca do que viria a ser de fato um veículo utilitário tomando por referência apenas as capacidades de carga, passageiros ou tração, acabam não podendo ser beneficiados pelo uso do Diesel.

De fato, vem sendo cada vez mais comum o uso de veículos com capacidade de carga abaixo dos 1000kg em serviços de entrega e distribuição urbana de mercadorias.


Também não é incomum o uso de utilitários compactos por transportadores autônomos, considerando sobretudo o menor custo de aquisição em comparação a um veículo de porte mais avantajado.



Veículos de emergência, principalmente ambulâncias e viaturas de polícia, são outro segmento onde a ausência da opção pelo Diesel se faz sentida, principalmente ao pararmos para analisar que o processo logístico de manutenção das frotas poderia ser simplificado caso também pudessem dispor do Diesel, já consolidado como o principal combustível usado em viaturas de maior porte e que já se enquadram na definição de "utilitário".



Os táxis também acabam refletindo a incoerência nas restrições ao Diesel. Nesse caso em particular, o amplo uso do gás natural como uma alternativa de combustível mais barato acaba comprometendo o espaço para bagagens. Seria mais fácil tolerar essa desvantagem se, ao invés de depender da importação de gás natural fóssil da Bolívia, o biogás fosse disponível comercialmente a preços competitivos para os operadores.


Por mais que a aptidão do Diesel já seja devidamente reconhecida em aplicações utilitárias e comerciais, é muito contraditório que muitos veículos destinados às mesmas não possam contar com essa opção.

sábado, 8 de novembro de 2014

Uma reflexão acerca do rechaçamento do PL 1013/11

Na sessão do dia 29 de outubro, a Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara dos Deputados mostrou mais uma vez que o Brasil é uma terra de incoerências, ao rechaçar o Projeto de Lei 1013/11, de autoria do deputado Aureo (Solidariedade-RJ), favorável à liberação da comercialização de veículos com motor Diesel e capacidade de carga inferior a uma tonelada, sem as pré-condições de acomodar no mínimo 9 passageiros além do motorista e/ou ter tração 4X4 com reduzida. Foi relator da matéria o deputado Sarney Filho (PV-MA).

O voto do relator não causaria a menor surpresa a quem já se acostumou a ver os políticos brasileiros promovendo verdadeiros absurdos, mas a perpetuação de preconceitos contra o ciclo Diesel e a falta de boa-vontade na análise do tema proposto contrastam com o alegado comprometimento tanto da Comissão quanto do relator e respectivo partido (Partido Verde) diante da questão ecológica e de sustentabilidade...

De acordo com Sarney Filho, os motores do ciclo Diesel emitem uma maior quantidade dos chamados "gases-estufa", o que não é nada além de uma meia-verdade: de fato os óxidos de nitrogênio (NOx) eram um calcanhar-de-Aquiles para os motores Diesel mais antigos, mas hoje há métodos mais avançados para redução nas emissões desses compostos, além da emissão de dióxido de carbono (CO²) por quilômetro rodado ser naturalmente menor num veículo com motor Diesel em comparação a um similar de ignição por faísca.

Ainda de acordo com o parlamentar, apesar de recentes aprimoramentos na qualidade do óleo diesel comercializado no país, tal combustível ainda seria de 7 a 8 vezes mais poluente que a gasolina. Manter as restrições a um tipo de motor com grande adaptabilidade a uma vasta gama de combustíveis alternativos com base na "performance ambiental" alegadamente inferior do combustível atualmente mais usado é, a bem da verdade, tão incoerente quanto alegar que garfos, facas e colheres são a causa da obesidade.

Levantando ainda o tópico do desenvolvimento sustentável, acaba-se deixando passar uma grande oportunidade para geração de emprego e renda tanto em áreas rurais quanto espaços suburbanos degradados, com a possibilidade de tornar mais descentralizada a produção de combustíveis no país, usando matérias-primas mais adequadas a cada realidade regional e diminuindo o custo e complexidade de processos logísticos. Por exemplo, para um morador do interior do meu querido Amazonas faria muito mais sentido usar algum óleo vegetal de origem local, como o óleo de dendê (que mesmo não sendo nativo pode ser cultivado na região) ou de castanha-do-Pará, ou até óleo diesel convencional, ao invés de depender de uma maior quantidade de gasolina que teria de ser transportada do litoral ou de etanol vindo de São Paulo, e o mesmo poderia ser aplicado a outras regiões de acordo com as necessidades locais e o que fosse mais fácil de integrar à cadeia de produção agropastoril.

Não há o que justifique o descaso com o qual a questão da liberação do Diesel vem sendo tratada pelos políticos brasileiros, mas essa é só uma ponta de um iceberg de contradições...

sábado, 25 de outubro de 2014

Reflexão: caminhonetes Ford Série F e o motor de alta rotação

Quem observar atentamente a foto dessa Ford F-350 brasileira vai notar a presença do tanque para o fluido ARLA-32 requerido com o sistema SCR, tratando-se portanto da versão nova com motor Cummins ISF2.8 certificado nas normas de controle de emissões Proconve P7, análogas à Euro-5. Além de aspectos como a aparência desatualizada em comparação com os similares americanos, e da ausência de airbags, justamente a opção por um motor de alta rotação acaba despertando polêmicas...

Numa comparação com o motor Cummins B3.9 (vulgo "4BT" ou "4BTAA") de injeção mecânica anteriormente usado na F-350, F-4000 e F-4000 4X4, houve uma redução de aproximadamente 29,8% na cilindrada (indo de 3920cc para 2776cc), deslocamento das faixas de potência e torque para regimes de rotação mais altos e um incremento de 25% na potência, que foi de 120cv para 150cv, mas como nem tudo são flores o torque sofreu uma queda na faixa de 14%, partindo de cerca de 420Nm para 360Nm. Ainda assim, é divulgada pela Ford uma redução em 7% no consumo de combustível, mas faz-se necessário incluir na planilha de custos o ARLA-32, usado numa proporção de 5 a 6,5% do volume de combustível.

Não dá para negar que é até certo ponto chocante se deparar com um motor de alta rotação numa caminhonete full-size de concepção tipicamente americana, visto que antes reinavam absolutos no segmento os de baixa rotação em faixas de cilindrada mais avantajadas, mas há de se considerar que o Brasil tem peculiaridades que inspiram uma abordagem diferenciada em comparação aos Estados Unidos. Enquanto por lá as full-size são muito usadas não apenas para trabalho mas também para transporte pessoal e lazer, mantendo um market-share significativo para os motores de ignição por faísca, por aqui o Diesel se firmou como uma necessidade para garantir a rentabilidade operacional, e portanto o uso de motores mais modestos se faz necessário para atender a um espectro mais amplo de consumidores que estão mais preocupados com os custos de aquisição e não costumam associar o que está sob o capô a uma imagem de ostentação.

Pode-se considerar, ainda, que a ampla presença de utilitários com projeto asiático ou europeu com motores turbodiesel de alta rotação até 3.0L nos segmentos disputados pela Série F no mercado nacional, tomando como referências o Hyundai HR disputando diretamente com a F-350 e a linha Iveco Daily tendo alternativas tanto à F-350 quanto à F-4000, pode ter encorajado a Ford a seguir esse mesmo caminho.

No atual cenário, os motores de alta rotação acabam se firmando como uma opção adequada por ganhar em economia de escala, visto que também são compatíveis com aplicações mais críticas no tocante ao peso e volume físico ocupado pelo conjunto motopropulsor, apresentando ainda vantagens por reduzir os esforços sobre os conjuntos de freio e suspensão devido ao peso menor e que pode ser melhor centralizado, compensando ainda ao menos em parte as "gordurinhas" trazidas pelos dispositivos de controle de emissões cada vez mais complexos, e portanto até certo ponto parece bem acertada a opção da Ford pelo downsizing ainda que acabe desagradando inicialmente a uma parcela significativa do público-alvo tradicional da Série F.

terça-feira, 7 de outubro de 2014

Uma breve reflexão sobre o panorama eleitoral brasileiro

Após o primeiro turno, é hora de avaliar alguns resultados e seus desdobramentos...

A nível de Rio Grande do Sul, na disputa pelo governo estadual chegou a surpreender alguns o avanço do ex-prefeito de Caxias do Sul, José Ivo Sartori, que acabou sendo o maior beneficiado pelos ataques do PT à senadora Ana Amélia Lemos. Quem eventualmente tenha deixado de votar na Ana Amélia motivado pela propaganda petista estaria mais propenso a votar no Sartori, visto que ambos representam uma rejeição clara ao candidato à reeleição Tarso Genro. Se nem a Yeda Crusius conseguiu se reeleger, embora tenha feito uma excelente administração e dado um bom respaldo à Brigada Militar, é pouco provável que o Tarso consiga, principalmente agora que a questão do piso do magistério tão explorada na campanha de 2010 esteja se refletindo contra ele. Considerando o que interessa a esse espaço, no que tange aos biocombustíveis, é possível que o candidato Sartori, que conta com uma forte adesão do setor ruralista (tanto os "colonos" mais humildes quanto grandes estancieiros), dê uma atenção especial a essa pauta, que traz uma boa perspectiva para aumentar a rentabilidade da atividade agropastoril de um modo geral.

Para a presidência da República, a polarização entre PT e PSDB acabou se repetindo, apesar de toda a comoção pela morte de Eduardo Campos e da candidatura de Marina Silva no lugar do falecido terem agitado a campanha. Mesmo assim, um segundo turno entre a petista Dilma Roussef que concorre à reeleição e o senador Aécio Neves que é o candidato do PSDB gera grandes expectativas tanto pelos resultados apresentados como governador em Minas Gerais quanto por uma imagem um tanto messiânica (e até pouco explorada durante a campanha) vinculada ao avô Tancredo Neves, eleito em '85 mas morto antes de assumir o mandato presidencial em circunstâncias que nunca foram devidamente esclarecidas (diz-se que foi uma diverticulite provocada por uma azeitona, mas nem a Glória Maria sabe de qual calibre) e substituído pelo vice José Sarney que, ironicamente, acabaria se aliando ao PT...

Pois bem, no tocante aos biocombustíveis, a degradação da relação entre o PT e o setor sucroalcooleiro durante o governo Dilma, e a situação crítica que muitas usinas se encontram, já são um aspecto negativo a se considerar. A estagnação no mercado de biodiesel também pesa contra. Vale destacar que, durante a campanha presidencial de 2010, Dilma chegou a posar para fotos usando um boné do MST, grupo que já se mostrou contrário ao uso de matérias-primas da "agricultura familiar" na cadeia produtiva do biodiesel ao proibir que moradores dos "assentamentos" fornecessem óleo de mamona à Petrobras, sob a alegação de que estariam cedendo ao capitalismo. Levantar tópicos referentes à crise da Petrobras, que vem sendo fortemente espoliada, tornam ainda mais nebulosos os prognósticos referentes à segurança energética brasileira no caso de uma reeleição da candidata petista.

O tratamento depreciativo dispensado pelo PT aos militares, num contexto de guerra de quarta geração com o intuito de reescrever a História ao bel-prazer dos derrotados, a idolatria com os ossos do Jango, e o apoio a ditaduras estrangeiras comprometendo inclusive recursos públicos (dinheiro dos impostos que nós pagamos) enquanto o povo brasileiro sofre com a precariedade da infra-estrutura não apenas nos hospitais que mais parecem um açougue, estradas que são uma verdadeira armadilha mortífera, violência urbana comparável às guerras civis da África e Oriente Médio, e uma tentativa de usurpação do poder familiar por meio de um sistema educacional mais direcionado à lavagem cerebral, também geram descontentamento em diversos setores da sociedade brasileira, e o perfil mais "conservador" atribuído à legislatura eleita para ocupar a Câmara dos Deputados e as 27 vagas ao Senado é um reflexo desse cenário. Brasileiro pode até parecer um povinho vagabundo e sem culhões, facilmente condicionável e suscetível a promessas vazias mas, apesar de muitos ainda estarem inebriados pelas migalhas jogadas pelo governo como galinhas numa gaiola esperando que se lhes atire um punhado de milho, bem como a difusão da promiscuidade e glamurização da "malandragem" como manifestações de "cultura popular" (entenda-se como "cultura" o lixo veiculado pela Rede Globo de Televisão, indo das novelas ao "funk ostentação"), a essência do nosso povo ainda é apegada a uma educação à moda antiga valorizando a honradez, o trabalho e a família tradicional.

A candidata Marina Silva, mais uma vez fora da disputa ainda no primeiro turno e cuja alegada "neutralidade" no segundo turno de 2010 disputado por Dilma e José Serra acabou beneficiando a petista, não vai ficar em cima do muro dessa vez. Declarações feitas por alguns correligionários dão um tom fortemente contrário à Dilma, e a própria Marina já declarou apoio ao Aécio dessa vez. Embora seja considerada ideologicamente mais próxima do PT que do PSDB, e portanto seja esperada uma maior rejeição contra o Aécio do que contra a Dilma por parte de quem "marinou" no primeiro turno, vale recordar novamente o falecido Eduardo Campos, que já havia declarado que se não fosse para o segundo turno apoiaria Aécio, o que levou até a especulações quanto a uma eventual sabotagem ao avião no qual o ex-governador de Pernambuco viajava quando ocorreu o acidente fatal.

quarta-feira, 1 de outubro de 2014

Caso para reflexão: Gurgel Carajás

Lançado em '84 e produzido regularmente até '91, com poucos exemplares feitos sob encomenda até a falência da Gurgel Motores em '95, o Carajás tinha uma proposta que pode ser vista como algo intermediário entre um SUV tradicional e os atuais crossovers. Não tinha tração 4x4, nem sequer um diferencial blocante como o Eaton ELD usado pela Fiat na linha Adventure, apenas um sistema de frenagem seletiva das rodas traseiras (Selectraction) usado para emular manualmente o efeito de um bloqueio de diferencial propriamente dito. A capacidade de carga nominal de 750kg e as acomodações para 4 passageiros além do motorista também não o credenciariam ao uso do Diesel...
A suspensão independente nas 4 rodas era enfatizada nos emblemas com os dizeres 4-WIS (4-wheel independent suspension), numa analogia aos emblemas "4WD" (4-wheel drive) usados em utilitários 4X4. O câmbio de 4 marchas do tipo transeixo era o mesmo da Kombi, e montado na parte traseira, com o motor à frente e a transmissão primária por meio de um tubo-de-torque (espécie de eixo cardã montado dentro de um compartimento tubular selado), de forma que a distribuição de peso entre os eixos não se mostrava tão favorável à tração em condições de baixa aderência como ocorria com outros modelos da Gurgel baseados mais diretamente no layout mecânico do Fusca, com especial destaque para a série Xavante (X10/X12/Tocantins). Ainda assim, além do motor Volkswagen EA-827 de 1.8L a gasolina com 85cv (ou a etanol com 97cv), até '89 foi oferecido o motor de 1.6L Diesel de 50cv, e o consumo médio de combustível chegava a cair quase à metade, indo de 9km/l na gasolina a 16km/l com o Diesel.

sábado, 27 de setembro de 2014

Refletindo sobre a integração de soluções em combustíveis alternativos

Uma parcela considerável do público brasileiro, equivocadamente, ainda vê em propostas de liberação do Diesel em veículos leves sem as atuais distinções por capacidade de carga, passageiros ou tração uma possível ameaça à disponibilidade de óleo diesel convencional para operações de transporte pesado, principalmente ao recordarmos a dependência do Brasil pelo modal rodoviário.
Para afastar em parte algum receio quanto ao impacto econômico, é fundamental ressaltar que o ciclo Diesel ainda figura entre as principais plataformas para experiências com combustíveis alternativos, perfeitamente integradas às diferentes necessidades e preferências de operadores e adaptação às muitas realidades regionais que podem ser encontradas no nosso país.
Mesmo com o atual cenário caótico no mercado de combustíveis veiculares de modo geral, com regulações esdrúxulas que perpetuam uma reserva de mercado para a Petrobras e desincentivam investimentos privados, ainda é possível apontar alternativas economicamente viáveis tanto para o transporte de cargas quanto de passageiros. Nesse meio-tempo, o consumidor sofre com a volatilidade dos preços...
De fato, alguns cenários operacionais são até mais propícios à implementação de algumas das principais alternativas consideradas, não apenas em função de uma maior estabilidade na planilha de custos no que tange aos combustíveis mas também para se adequar a outras exigências como o controle de emissões, não apenas no tocante aos óxidos de nitrogênio (NOx) e material particulado que são um calcanhar-de-Aquiles do ciclo Diesel mas também o nível de ruídos. O incremento no conforto acústico pode ser notado por passageiros e operadores em aplicações veiculares, mas também é apreciável em aplicações estacionárias, como grupos geradores.

Convém recordar a experiência de frotas militares, onde a adaptabilidade a alguns combustíveis como querosene de aviação (Jet-A1/JP-5/JP-8) acabava por impor um desafio no tocante à lubrificação de elementos do sistema de injeção, visto que o querosene poderia danificar mancais de eixo em bombas injetoras. Soluções oriundas desse cenário operacional tão peculiar também podem ser aproveitadas com outros combustíveis que possam ser mais direcionados ao uso civil, bem como eventuais aplicações extraordinárias em operações militares devido à disponibilidade regional.
Vale destacar que em aplicações militares há ainda uma preocupação quanto à segurança e, embora o querosene de aviação seja mais volátil que o óleo diesel convencional, já apresenta vantagens nesse aspecto em comparação com a gasolina, tanto que alguns países signatários do Tratado do Atlântico Norte já proibiram o transporte de gasolina a bordo de suas embarcações militares. Outro ponto importante é a simplificação dos processos logísticos obtida com o uso de um combustível único.

Apesar de viaturas destinadas às Forças Armadas estarem isentas das normas de controle de emissões aplicáveis a veículos civis, a ponto de ainda serem incorporados às frotas de Marinha, Exército e Aeronáutica alguns modelos especificados na Euro-2 e com injeção 100% mecânica, também vem ocorrendo uma menor resistência à injeção eletrônica.

A aviação civil também é um cenário propício para o desenvolvimento de alternativas que possam ser aplicadas para reduzir tanto a dependência ao querosene quanto ao óleo diesel convencional, embora este último não seja usado atualmente na aviação comercial mas seja essencial para serviços aeroportuários e suporte em pista. O desafio é particularmente crítico em função das condições ambientais severas e respectivas variações durante um voo, além do custo dos combustíveis, tanto que a Boeing recentemente demonstrou interesse em homologar o biodiesel para aplicações aeronáuticas junto aos principais órgãos regulatórios do setor, numa estratégia que não apenas proporciona uma amortização mais rápida de investimentos em pesquisas direcionadas ao biodiesel como também oferece uma boa oportunidade para analisar a viabilidade de algumas matérias-primas em situações mais extremas, além de simplificar os processos logísticos.

Um aspecto especialmente relevante no mercado brasileiro é a popularidade dos veículos bicombustível a gasolina e etanol, popularmente conhecidos como "flex", que atingiu não só os automóveis e utilitários leves mas até motocicletas. Baseados na ignição por faísca como os motores a gasolina tradicionais, acabam por manter a desvantagem na eficiência térmica quando comparados à ignição por compressão usada no ciclo Diesel, como pode ser bem observado pela experiência da Scania com ônibus e caminhões a etanol. Logo, mesmo que a princípio se mantivessem as restrições ao uso do óleo diesel convencional, não faria sentido proibir o uso de um motor operando no ciclo Diesel com o etanol, já consolidado como um combustível para veículos leves.
É muito pouco provável que venha a ressurgir junto ao consumidor brasileiro o interesse por veículos movidos exclusivamente a etanol, temendo uma crise de desabastecimento como a que ocorreu entre '89 e '90 devido à prioridade dada pela indústria sucroalcooleira à produção do açúcar para atender ao mercado de exportação, mas cabe considerar ainda a possibilidade de integrar outras matérias-primas na cadeia produtiva do etanol brasileiro. Basicamente qualquer resíduo do beneficiamento de produtos agrícolas que tenha alguma quantidade de celulose, como cascas e bagaços de frutas, pode servir à produção do etanol celulósico, também conhecido como "etanol de segunda geração", reduzindo problemas associados à sazonalidade da cana-de-açúcar. Até o etanol de milho, tão subestimado e criticado devido ao saldo energético menos favorável que o similar derivado da cana produzido no Brasil, não deixa de ser uma opção racional, ao considerar o uso do DDG (grão seco por destilação) que sobra do processo de produção do etanol como fonte de proteínas na elaboração de ração para animais, ou até mesmo em alimentos industrializados destinados ao consumo humano.

A indústria alimentícia, de um modo geral, oferece um cenário bastante favorável à implantação de programas direcionados ao desenvolvimento e aplicações de combustíveis alternativos. Gerando uma considerável redução no custo operacional das frotas e agregando valor a materiais que antes seriam considerados simplesmente lixo, também há de se considerar a possibilidade de negociar créditos de carbono como uma forma de acelerar a amortização de investimentos.
Além de óleos de fritura velhos reaproveitáveis tanto diretamente como combustível quanto convertidos em biodiesel, ou do uso de cascas de batata e outros materiais com algum conteúdo de celulose como matéria-prima para a produção de etanol. há ainda uma grande quantidade de resíduos provenientes do processamento de carnes (tanto bovina quanto ovina, suína, de aves, peixes e outros) que também podem ser direcionados não apenas ao biodiesel mas também ao biogás (biometano).
Apesar de combustíveis gasosos serem mais difundidos como uma opção direcionada a motores de ignição por faísca, podem ser usados de forma complementar em motores do ciclo Diesel, tendo como principais benefícios um processo de combustão mais completo, gerando menos material particulado, o que pode prolongar a vida útil de alguns dispositivos de controle de emissões como o DPF (filtro de particulados) devido à menor saturação, gerando economia adicional ao prolongar o intervalo entre ciclos de regeneração. Também ocorre uma redução nos níveis de ruídos.

Um cenário no qual a integração com o biogás seria ainda mais óbvia é em veículos de coleta de lixo. Em aterros sanitários devidamente controlados, é perfeitamente viável recuperar o gás, filtrar e usar como alternativa ao óleo diesel a um custo próximo do zero, trazendo significativa economia tanto associado a uma injeção-piloto de outro combustível para gerar centelha quanto eventualmente puro num motor de ignição por faísca.
Importante salientar que os dispositivos de controle de emissões aplicáveis a motores de ignição por faísca é mais simples que os destinados a motores Diesel, o que também tem atraído operadores em outros segmentos, motivados até certo ponto também pela popularidade do gás natural de origem fóssil em veículos leves, com destaque para os táxis que normalmente usam esse combustível nas principais capitais brasileiras como Porto Alegre. Diga-se de passagem, chega a ser absurdo que se importe gás natural da Bolívia enquanto uma alternativa mais plausível sob o ponto de vista da segurança energética nacional é desprezada.

Opções para promover uma integração de diferentes soluções visando uma redução da dependência do transporte pesado pelo óleo diesel já são conhecidas, e encontram no atual cenário político brasileiro um ambiente até certo ponto hostil mas que não inviabiliza totalmente a implantação de tais medidas, e assim torna-se insustentável um dos pontos mais controversos em torno dos possíveis efeitos econômicos de tal medida, que apenas tem mantido o consumidor brasileiro alienado e sem acesso a uma alternativa com relação custo/benefício já consagrada em alguns dos principais mercados mundiais.